por Patricia Gebrim
Por muito tempo caminhamos, e nossos olhos estavam fechados. Na ausência de saber, tudo parecia aceitável. Na anestesia da alma, seguíamos de mãos dadas com uma ingenuidade perigosa, sem sentir nossa pele sendo rasgada pelas incoerências da vida. Não há nada mais perigoso do que a anestesia, acreditem.
O tempo passou e chegou o momento em que uma força maior se mesclou às nossas pálpebras, e eis que nossos olhos se abriram.
Olhamos atônitos ao redor, e nosso coração se comprimiu, assustado, no peito. Vimos, com toda a clareza, tudo o que antes permanecera escondido por nossa cegueira. A sombra, antes sequer imaginada, ganhou contornos precisos, detalhes e um aparente poder. Como se tivessem nascido naquele momento, a escuridão, a sujeira, os medos e as distorções pareciam estar por todos os lados.
Por mais difícil que seja esse momento, e de certa forma nos encontramos coletivamente bem nesse lugar, é preciso que compreendamos que estamos um passo à frente. Um passo à frente da cegueira. Um passo à frente da alienação. Um pouco mais perto da nossa capacidade de curar o que quer que precise ser curado. Em nós. No mundo que nos cerca. É para isso que estamos aqui.
Precisamos conscientemente abrir mão do conforto da cegueira, para que nos apropriemos do nosso poder. Precisamos ser corajosos o suficiente para olhar bem de perto para a distorção, e amorosos o suficiente para derramar sobre ela o que temos de melhor. Esse é nosso serviço neste momento. Derramar nossa luz sobre a sombra criada por todos nós.
Os tempos atuais nos pedem uma tarefa heroica. Que sejamos capazes de acreditar em meio ao caos. Que sejamos capazes de brilhar esperança, mesmo quando tudo parece perdido. Que sejamos capazes de sorrir, mesmo enquanto navegamos sem rumo por vales de lágrimas.
Não teremos controle desse processo. É preciso confiar e seguir, dispostos a lidar com o que quer que venha em nossa direção. Tudo o que vem a nós nos pertence e veio para ser curado.
A única maneira de fazer isso é compreendendo que a realidade externa não é a realidade última. De nosso íntimo brota uma força infinita que pode fazer tudo se transformar. Mais do que nunca, precisamos mergulhar dentro de nós em busca da nossa força, da beleza, da paz, da harmonia e do amor. O mundo interno pode nos oferecer uma matriz saudável para curar a distorção que vemos quando olhamos para fora. Dentro de cada um de nós existe uma fonte sagrada de onde a luz brota, ininterruptamente. Precisamos nos banhar nessa luz até que sejamos preenchidos por ela. E mais. Precisamos permitir que essa luz preencha essa taça que carregamos no peito até que seja tanta que comece a transbordar.
Somente então poderemos compartilhar de nós mesmos. Da nossa luz. Da nossa beleza. Do nosso amor. Mesmo quando tudo parecer sombrio. Esse é o despertar. Só então o mundo ao nosso redor começará efetivamente a mudar.