por Roberto Goldkorn
Sei que vocês já devem estar cansados de me ouvirem falar dos insanos que estão fora dos sanatórios. Sei também que esses loucos temporários ou permanentes necessitam urgente de outras faixas de classificação e diagnósticos, pois cada vez mais estão vivendo a 'vida normal', mas como não podia deixar de ser, enlouquecendo os que trombam com eles por aí.
Mas cada vez que penso em mudar de assunto, novos loucos e novas loucuras esbarram em mim e despertam as minhas reações. Uma vez fui procurado por uma mulher que aparentemente desejava uma consulta. Depois de explicar-lhe os procedimentos, aos quais ela ouviu atentamente (mas com um sorriso nos lábios), confessou que não veio para se consultar e sim para me consultar.
A sua história era rocambolesca, mas intrigante. Em resumo, ela havia sido visitada há uns anos, por um espírito de um antigo sacerdote egípcio. Esse ser contou-lhe que ela e mais um grupo participou de uma conspiração para matar um faraó e instalar uma nova religião. Por isso foram amaldiçoados e carregaram essa maldição por muitas e muitas encarnações. A dela por exemplo é de nunca conseguir ficar com a pessoa amada (contou-me a história de tantos amores desaparecidos, mortos, ou que mudaram de idéia na última hora). A minha (que na época era uma princesa) era não ter sucesso ou reconhecimento financeiro pelo meu talento e trabalho. Mas, disse ela em tom triunfal, o espírito me disse que lhe avisasse e aos outros, que a maldição acabava agora, naquele ano e assim todos estariam livres para viver a sua vida plenamente.
"A verdade está com quem não enlouquecer"
Perguntei-lhe assim casualmente, como quem não quer nada, sobre todas as tantas pessoas que afirmavam ser a reencarnação da tal princesa egípcia. Afinal de contas apenas um poderia ter esse privilégio. Ela novamente sorriu de forma tão serena, e me respondeu candidamente: Também perguntei isso ao espírito. E ele me respondeu: “a verdade está com quem não enlouquecer”. Essa fase marcou a minha vida e ficou sendo uma espécie de mantra. “Quem não enlouquecer está com a verdade.”
Ao longo desses mais de vinte anos (essa “consulta” foi em 1985), apesar de não acreditar na veracidade da história dela, achei de grande sabedoria o conselho do espírito. Venho observando essa relação estreita e siamesa entre loucura e mentira durante todo esse tempo. Os loucos que estão por aí, são antes de mais nada deformadores da realidade, ou seja mentirosos crônicos, sistemáticos. Tenho tentado ensinar e usar para consumo próprio algumas ferramentas para detectar os tais desvairados que têm conta em banco, e fazem compras em supermercados.
Duas ferramentas têm se mostrado muito úteis e de fácil manuseio. A primeira é a identificação do ou da insana. Isso se faz antes de mais nada pelo exame do discurso. Busque a lógica desse discurso. Mais que isso observe a maneira com a pessoa escreve ou fala. Quanto mais falta de clareza, de objetividade e de coerência interna (e de convergência com a realidade externa) mais esse discurso pode estar denunciando um desvairado não institucionalizado.
É claro que para avaliar essas condições são necessárias algumas bases sólidas, mas uma pitada de bom senso costuma bastar. Um sujeito que manda uma mensagem para um editor dizendo que o livro dele vai ser um best-seller mundial, que contem revelações que vão mudar o destino da humanidade, e já pede para mandar um dinheiro adiantado, tem grandes chances de fazer parte desse clube.
A segunda ferramenta é: não alimente o gajo. Eu, por exemplo, não respondo mais aos e-mails desse povo. Qualquer tentativa de argumentar, ponderar, ou criticar só conseguirá uma coisa: alimentar a loucura alheia. Não há hipótese de quebrar a armadura insana que recobre o indivíduo. Talvez um trabalho profissional, sistemático, acompanhado de medicação possa eventualmente ter resultado.
O maior problema é que esses personagens não se consideram candidatos a pacientes psicoterápicos. Aliás, alguns deles estão justamente do lado de cá da cerca que deveria separar os dois lados. O pior dessa história e quando temos a obrigação de conviver com eles cotidianamente atendendo-os nas lojas, livrarias (esse é um terreno fértil para a germinação dos desvairados) e ainda por cima sorrir-lhes educadamente. Mas esse é um dos ossos do ofício de quem não pode fugir da arena onde se digladiam as misérias humanas.
O que mais me assusta é o número crescente dessa legião de capengas da mente vagando por aí. E ainda por cima pensar que dentro de mais dez anos seremos quase dez bilhões de seres humanos nesse planeta. Enquanto Marte não pode ser colonizado, os lúcidos de plantão que se cuidem. Olho no discurso e não alimente o desvario. Pelo menos isso pode nos preservar da insanidade que assola o nosso mundinho.