por Ivelise Fortim – psicóloga do NPPI
Um dia, na casa de uma amiga, estávamos conversando sobre cadastros amorosos na Internet. Ela me falava que participava de um, mesmo tendo namorado. Isso me surpreendeu um pouco. Tendo namorado, por que ela havia se inscrito ? "Para receber elogios, oras. Sempre entram no meu perfil e olham minha foto, mesmo que eu não saia com ninguém, isso me faz bem para o ego".
Duas coisas curiosas aconteceram, simultaneamente a essa conversa. A primeira, eu acabara de ler um livro sobre relacionamentos via Internet, sendo a maioria deles por meio desses cadastros. A segunda, é que eu e minha amiga, só de curiosidade, fizemos uma busca do homem ideal para ela. Qual não foi minha surpresa ao encontrar, entre eles, um outro amigo meu, que eu nem suspeitava que estivesse inscrito em um cadastro desse tipo! Nosso espanto foi grande, uma vez que esse meu amigo é um homem muito bonito e atraente. Qual seria seu motivo para estar ali?
Nem preciso dizer que fui tomada pela curiosidade, e resolvi fazer meu próprio cadastro. Sem fotos, é claro. Eu não gostaria de ser reconhecida num lugar desses. Pensei sobre meu próprio preconceito, uma vez que a idéia que sempre me vem a respeito desses cadastros é que eles não passam de um espaço deprimente, ocupado por gente carente, desesperada e disposta a tudo para conseguir um marido, no caso da maioria das mulheres, e sexo fácil, no caso da maioria dos homens.
A primeira impressão que me vem do cadastro é de que virei uma mercadoria: o que eu tenho de melhor para "vender meu peixe" aos possíveis interessados? O cadastro sempre oferece dicas sobre o quanto e quais aspectos pessoais devemos descrever, com quais detalhes. Penso sobre como devo fazer meu marketing pessoal. Ali, a impressão é de que todos querem vender o que há de melhor em si. Porque "venda"? Porque no cadastro eu devo deixar bem explícitos todos os meus atributos. As pessoas me escolhem (ou não) a partir deles! Estado civil, filhos, renda mensal média (?), idiomas que eu falo, características físicas bem detalhadas, meus hábitos, interesses e características. É assim que se define uma pessoa nesses cadastros. Existe ainda um pequeno espaço para uma apresentação pessoal e também para um pequeno texto sobre quem eu "busco".
Para buscar alguém, basta que se coloquem as características desejadas e, …"voilá" – Aparecem aqueles que as preenchem! O que tenho observado, é que quando as pessoas fazem busca nesses cadastros colocam características muito parecidas consigo mesmas! Quando se compara o perfil da pessoa, e o de quem ela busca, percebe-se que são muito semelhantes. Talvez estejamos procurando como namorados, ou amigos ou maridos, alguém que seja tão semelhante a nós que, no fundo, como diria um psicanalista que não lembro o nome, nós sempre procuramos namorar a nós mesmos. Será que buscamos um outro? Ou será que "nos buscamos no outro"? É possível que o relacionamento com um "outro" que nos seja muito semelhante seja mais fácil. Mas, será que existe graça em buscar sempre a si mesmo?
Quanto às minhas outras impressões, sobre as buscas que fiz, e as pessoas que me buscaram, em parte meu estereótipo se quebra. Isto porque, desde o surgimento da Internet, as pessoas parecem já ter adquirido alguma experiência em relacionamentos deste tipo. Isso significa que não há mais tanta inocência como antes; em muitos cadastros, já aparecem pessoas que, depois de várias tentativas de relacionamento desta forma, estão bem mais seletivas, talvez até maduras para iniciar um relacionamento. Muitos dizem que estão procurando amigas, e o resto vem depois; alguns dizem que procuram namoradas, mas têm muita cautela. Boa parte sabe das normas de segurança de relacionamentos estabelecidos assim, e muitos já sabem que as primeiras tentativas podem não dar certo. Muitos sabem que não existe amor somente virtual, e que conhecer as pessoas ao vivo pode gerar grandes decepções.
Mas ainda há muita gente inocente, muitas pessoas carentes, acreditando que a Internet é a única saída possível para resolver a solidão que as habita. Ainda há muita gente sonhadora, romântica, disposta a apostar todas as fichas num relacionamento virtual. Quanto às intenções de cada um, são muito variadas: muitos homens procurando sexo fácil, sexo virtual, ou fingindo que amam a mulher para obter sexo e depois fugindo. Entre as mulheres, muitas sonhadoras, carentes, que acreditam em qualquer promessa.
Mas, devo dizer que tem aumentado muito o número de mulheres que também procuram sexo fácil, aventuras, e que já estão bem mais conscientes das possíveis enganações que podem acontecer na net. De modo geral, acredito que, nesses 10 anos de Internet, houve um amadurecimento por parte de muitas pessoas em relação aos relacionamentos virtuais, e isso se reflete na forma como muitas já se colocam nos cadastros, e em como se relacionam com aqueles que conhecem por estes canais.
Mas este tipo de cadastro ainda é uma forma bastante utilizada para estabelecer relacionamentos via Internet. Parecem ser, para muitas pessoas, um recurso útil para conhecer novos amigos e uma forma de estabelecerem relacionamentos. Quanto aos usos do cadastro, cada um faz deles o que deseja, ou o que pode fazer.