por Monica Aiub
Ação é um tópico, em filosofia clínica, no qual são observados movimentos, ritmos, cadências do pensamento. Observe que faço uso de uma terminologia musical: movimentos, ritmos, cadências, ao me referir ao pensar. Qual seria o motivo de tal escolha?
Faça um breve exercício: fique em silêncio e tente ouvir e registrar todos os sons que você conseguir captar durante cinco minutos. Pronto? Além dos sons captados e registrados, quantas ideias lhe surgiram nesses cinco minutos? Em que você pensou enquanto fazia esse exercício? Se pensou em algo além do exercício de captar sons, isso significa que não estava suficientemente concentrado? Significa que não fez o exercício como deveria? Não conseguiu concentrar sua atenção no que foi solicitado?
Agora tente, simplesmente, silenciar, sem preocupações. Quantas ideias lhe chegam naturalmente? Há pessoas que andam nas ruas com um MP3 ligado nos ouvidos o tempo inteiro. Músicas atrás de músicas. Há pessoas que possuem um “MP3 ligado” o tempo inteiro no interior de suas cabeças, de seus ouvidos. Nesse “aparelho” há sequências de músicas, há trechos que se repetem, há músicas que tocam concomitantemente, há ideias, gritos, sussurros, expressões. Há projetos inteiros, fragmentos de realidade, partes de sonhos, ideias que se movem sutilmente e transformam-se em outras ideias. Há outras que saltam de um ponto a outro sem aviso, sem licença.
Você conseguiria registrar tudo o que se passa em suas ideias durante cinco minutos? Assim como em diferentes composições musicais, alguns registrariam um longo e interminável silêncio. Outros um profundo e acalentador silêncio. Alguns pontuariam ideias, destacariam, entre as linhas alguns pontos superficiais, alertando para a profundidade da sequência do pensar. Outros, ainda, relatariam a impossibilidade de anotar algo, visto a espantosa velocidade com que os pensamentos transcorreram. E essas seriam apenas algumas das inúmeras possibilidades de resposta.
Se lhe perguntassem como é o ritmo de seu pensamento, o que você responderia? Você pensa rápido? É mais lento no encadeamento de ideias? Ou depende dos conteúdos pensados, dos contextos e de seu próprio estado existencial?
Ritmo do pensamento é variável
Assim como o ritmo dos batimentos cardíacos é variável, o ritmo de nossos pensamentos também. Se fortes emoções são capazes de acelerar ou até mesmo paralisar os batimentos cardíacos, as mesmas fortes emoções podem acelerar ou até mesmo paralisar nossos pensamentos. Mas não são apenas as emoções que aceleram ou retardam nosso pensar. Há inúmeros fatores que contribuem para dar um ritmo ou uma cadência a nossos pensamentos.
Composição musical = ritmo + melodia (sons sucessivos) + harmonia (acordes/sons simultâneos)
Numa composição, além do ritmo, da melodia, temos a harmonia. Cadências de acordes que se seguem uns aos outros, numa espécie de condução harmônica. Blocos de sons que se organizam e situam constituindo a composição. Há composições que se organizam em tons, outras são atonais. Há composições cuja cadência harmônica é riquíssima, contando com modulações e uso de muitos recursos, outras contam com apenas dois ou três acordes destacando uma “pobreza” harmônica.
Imagine seus pensamentos como várias composições que se dão ao mesmo tempo. Algumas mais ricas harmonicamente, outras menos; algumas mais dissonantes, outras em diferentes escalas modais – variações sonoras). Você consegue perceber em quantas coisas é capaz de pensar ao mesmo tempo? Você consegue identificar padrões em sua forma de pensar?
Mudando radicalmente a analogia, pensemos agora nos sistemas de informação e na elaboração do conhecimento. Com o excesso de informações que recebemos e temos à disposição na Internet, por exemplo, como selecionar, organizar? Criamos os sistemas estabelecendo critérios de identificação de padrões, e os utilizamos para selecionar, organizar e compor essas informações, produzindo novos conhecimentos.
Num universo infinito de dados, são os padrões que nos permitem alguma conclusão. E em nossos pensamentos, utilizamos padrões? Se os padrões propostos não forem os mais adequados para o que buscamos, nos deparamos com informações completamente distantes e conclusões equivocadas. E quanto aos padrões de nosso pensar? Os conhecemos? Eles nos levam a selecionar as informações adequadas? A organizá-las de maneira a chegarmos a conclusões adequadas a nossos problemas?
Terapia: organização de ideias
No consultório é comum encontrar pessoas que buscam terapia para organizar as ideias. Elas relatam um pensamento caótico, com muitas ideias ao mesmo tempo, e essas, por vezes, geram uma confusão tal que impedem o movimento, a ação no mundo. A ação do pensamento é tão intensa, tão rápida, que a pessoa entra num estado de confusão mental e “trava”. Muitas delas já tentaram, anteriormente, organizar suas ideias segundo padrões estabelecidos como os melhores em estudos sobre metodologia, mas, em grande parte dos casos, não encontraram bons resultados. É comum que essas pessoas se considerem estranhas, incompetentes para determinadas atividades, reclamem falta de concentração, dificuldade de manter a atenção. Questionam-se sobre sua capacidade cognitiva, às vezes pensam-se loucas, simplesmente porque os estudados padrões da metodologia não lhes são úteis.
Mais interessante é observar, enquanto a pessoa relata sua história, o que se passa com ela, o movimento de seu pensamento: como encadeia suas ideias, como compõe suas conclusões. Quando pensa mais rápido, quando as ideias fluem melhor. E, inclusive, indícios, ou até mesmo relatos, de várias linhas de pensamento ocorrendo ao mesmo tempo. Como assim? A pessoa está relatando um fato e, de repente, pula para outra ideia, em seguida, estabelece a relação entre ambas e retorna ao fato que contava. Ou a pessoa está contando o caso e faz uma observação do gênero “está vindo outra coisa agora”. Sorrisos, expressões, olhares também denotam outras ideias. É comum que, ao pesquisarmos aquele momento onde tais expressões foram manifestadas, encontremos ideias, histórias, eventos paralelos.
Outra constatação clínica é o impacto da observação do movimento do pensamento sobre o próprio pensamento. Ao se dar conta da forma como encadeia ideias, do que acelera ou diminui o ritmo de seu pensar, a pessoa tem a oportunidade de estabelecer outras formas de encadeamento de ideias, percorrer outros caminhos de pensamento. Pode, também, alterar o ritmo de suas ideias, acelerando ou retardando o movimento de seus pensamentos de acordo com a necessidade.
Como todos os tópicos em filosofia clínica, o tópico ação não está isolado dos demais. Pré-juízos, Emoções, Expressividade, Busca, Papel Existencial, enfim, todos os tópicos, categorias, submodos (clique aqui) interferem, por isso não é possível observar uma única linha do pensar, ou querer isolar o pensamento para observá-lo, independentemente de outros fatores. Às vezes um elemento do ambiente provoca a aceleração ou retardamento das ideias, ou provoca um tipo específico de encadeamento. Você consegue identificar ambientes, por exemplo, que lhe provocam ideias ruins? Outros ambientes que lhe trazem ideias boas e frutíferas? E se você pudesse evitar os ambientes que lhe provocam ideias ruins, deliberadamente? E se, quando necessário estar em tais ambientes, tivesse formas de levar seus pensamentos para outros lugares, existencialmente mais agradáveis? Para alguns, seria um alivio existencial.
Outro problema relacionado a esse tópico é o fato de termos muitas ideias ao mesmo tempo, e isso impedir a concentração numa única ideia. Para algumas pessoas, é necessário encontrar formas de acentuar aquela ideia na qual precisa se concentrar. Para outras, simplesmente encontrar maneiras de “levar” todas essas ideias ao mesmo tempo, ou seja, distribuir a atenção. Mas limpar os pensamentos e fixar-se em uma única ideia, é algo difícil de se conseguir, embora seja o divulgado como comum. Algumas pessoas, de fato, conseguem se concentrar exclusivamente num ponto, mas dado o excesso de informações, de ruídos, de movimentos aos quais estamos expostos, isso se torna cada vez mais raro.
Como não é possível silenciar o mundo que nos rodeia, nem é possível parar o tempo e o mundo enquanto nos dedicamos a um único ponto, e retroceder para tratar os demais posteriormente, talvez seja o caso de pensarmos em formas de lidar com as demandas, e para isso, conhecer e avaliar nossos padrões, o funcionamento do movimento de nosso pensar, pode ser de grande utilidade.