por Roberto Goldkorn
Um badalado palestrante corporativo dizia a seus ouvintes atentos na sala de uma grande empresa: "Todas as manhãs na savana africana um leão e uma gazela despertam. Qual dos dois animais vocês querem ser?" A plateia transformada em torcida gritava como uma tribo antes da caçada? "O leão! O leão!" O palestrante satisfeito dava um risinho de vitória, acreditando que aquilo era o que lhe foi pedido: motivação.
Ninguém pensou no cenário desolador que seria da savana africana com apenas aquelas duas possibilidades: ser um leão ou ser uma gazela. Ninguém pensou em dizer: Eu quero ser um elefante, ou um macaco ágil, um tatu ou uma girafa que vê tudo de uma outra perspectiva. Para ele só havia aquelas duas possibilidades: ou você é de esquerda ou você é de direita, ou você é muçulmano radical ou você é infiel.
Qual a diferença entre os radicalismos antigos e os ódios ideológicos e religiosos modernos? A internet. Talvez seja uma resposta simplista, porque obviamente essa não é a única diferença, mas é a mais fundamental. A internet e as redes sociais provêm duas condições essenciais para que a gente mergulhe no jogo de todos contra todos: a capacidade de ignorar as fronteiras e limitações da mídia, e o anonimato. Nossas metralhadoras verbais zunem pelo ciberespaço atingindo até quem está do outro lado do mundo, e isso sem que a gente precise passar desodorante ou trocar o pijama.
Isso é claro nos "une" mais como espécie, embora essa união seja tribalistas e como tal não apresente nada de novo sob o sol, apenas escala. Ganhamos em escala nos ódios e nas afinidades, mais que isso a escala ganhou na velocidade e despudor.
Do ponto de vista dos ocultistas do século XIX, isso não é nada novo. Acreditavam que a energia dos nossos pensamentos e emoções mais fortes e coletivas, viajavam pelo "éter" em velocidades muito acima da velocidade da luz (de certa forma muito mais rápida que algumas internets do terceiro mundo). Acreditavam que uma criança maltratada na Ásia podia provocar uma dor de cabeça numa mulher em Nova York, só para dar um exemplo bem rasteiro. Se isso for verdade, a web nada mais é que a configuração em bites, de algo que já existia desde que a humanidade é humanidade.
Os ocultistas mencionavam a técnica do Mekheness indiano que em resumo é uma hipnose à distância sem que o hipnotizador sequer veja ou toque no hipnotizado. Para os mais céticos (e quem ignora certas práticas ocultistas) isso é no mínimo risível – já eu não tenho tanta certeza assim.
Costumo dar um exemplo real acontecido comigo, para que a gente pelo menos comece a pensar. Há muitos anos morava em uma casa cujas janelas do quarto se voltavam para a rua. Numa noite, tive uma insônia daquelas conjugada com um intenso desassossego, incapacidade de ficar deitado por mais de dez segundos na mesma posição, turbilhões indo e vindo da minha mente, aflição, sono fragmentado etc. Lá pelas dez horas da manhã uma cliente – famosa jornalista de TV, me ligou, me pedindo desculpas e agradecendo. Não entendi e ela explicou. Seu irmão, começou a ter delírios, convulsões, falava coisas estranhas sem nexo e ela ficou apavorada. Como ele se negava a ir para o hospital, ela sem saber o que fazer e com medo de ficar em casa sozinha com ele, pegou seu carro e começou a dirigir sem rumo até que se viu debaixo da janela do meu quarto. Sem coragem para me acordar de madrugada ela ficou ali por cerca de duas horas, rezando e me pedindo ajuda. Quando resolveu voltar encontrou seu irmão sentado tranquilamente no sofá assistindo TV e saboreando um misto quente. Ela me pedia desculpas porque sentiu que poderia ter perturbado o meu sono, o que de fato aconteceu.
Acreditando ou não, podemos ver o resultado do acirramento dos ódios que a internet proporciona – quer seja no aumento do radicalismo islâmico, ou na militância furibunda da esquerda, as velhas tribos, derrotadas nos palcos da geopolítica ressurgem em escala planetária, mais raivosas, como se estivessem bravas por terem sido trancafiadas na garrafa da história por tanto tempo. A internet e seu poder multiplicador faz com que pequenas tribos pareçam grandes nações.
Isso não passará sem causar dano. Ações e reações irão tecer uma trama de ferro e fogo no "astral" e descerão sobre cada um de nós, de uma forma ou de outra. Por isso, é tão importante que a maioria silenciosa entre na militância, mas pelo caminho do meio. Ser atraído pelos extremos radicais é o canto da sereia moderno. O ódio tem sua própria lógica, tem seu charme, tem uma retórica poderosa, e como disse uma jovem militante: "O ódio organiza nossa luta, mobiliza nosso pensamentos e não nos deixa esmorecer!" Com um combustível desses quem precisa de Prozac ou de energético?
Porém, o custo em sofrimento e frustração é incomensurável, impossível de medir com a régua do tempo presente.
Buscar a sensatez do caminho do meio, lutar para não se deixar arrastar pelo tolo imediatismo dos radicalismos, deveria ser uma missão de todos que ainda não foram tragados pelos extremos. Não temos que convencer os radicais, não conseguiremos, mas precisamos orar e vigiar para que não sejamos mais um deles. Cabe a nós, a missão derradeira de justificar a nossa existência (por mais algum tempo) no planeta.