por Roberto Goldkorn
O papa Francisco no Brasil! Milhões de pessoas se mobilizam para essa visita.
Os jornalistas entrevistam fiéis nas ruas que demonstram sua emoção. Ouvimos centenas de vezes a mesma frase: "Uma tocante demonstração de fé!"
Fé! A mais misteriosa, mais transviada, mais poderosa das palavras. Capaz de remover montanhas? Capaz de promover milagres? Diz a Bíblia que São Pedro (precursor do papa Francisco) quando estava preso em Roma fez brotar uma fonte de água cristalina a fim de poder batizar os soldados que lhe serviam de carcereiros. Milagres são atribuídos aos santos mas são turbinados pela fé de quem os requisita.
Meu pai foi a vida inteira agnóstico, um crítico mordaz daqueles que têm fé no imponderável, mas quando se viu traído e falido concordou em fazer uma oferenda a Iemanjá e a aceitar outras ajudas que só quem tem fé costuma invocar.
É possível enfrentar crises graves sem a ajuda da fé no sobrenatural?
Conheço alguns casos de pessoas sem fé que cometeram suicídio. Minha primeira reação foi achar que esse ato extremo aconteceu justamente por que chegaram diante de uma esfinge tão ameaçadora que não se poderia enfrentar sem fé, e como eles não a possuíam…
Mas outra possibilidade emerge: justamente por não ter fé, por não admitirem em suas vidas nada que não seja movido pela razão, eles, os suicidas, resolvem simplesmente sair de cena, como uma criança que contrariada saísse do parquinho dizendo: "Não brinco mais."
A ciência que também precisa de um tantinho de fé para seguir em frente, nos desvenda muitos véus sobre esse fenômeno de fé.
Alguns pesquisadores dizem que a fé intensa provoca alterações na eletroquímica do cérebro que pode gerar desde alucinações, a estados alterados de consciência, capazes de provocar efeitos de analgesia (insensibilidade a dor), até um aumento exponencial de força física. Sabemos que um jorro de adrenalina no sangue pode causar verdadeiros milagres físicos, fazendo com que saltemos como campeões olímpicos para não sermos atingidos por um carro desgovernado.
O grande dilema envolvendo a fé é a sua necessidade de excluir a razão para poder existir. Naturalmente a fé existe num outro nível, onde a razão respira um ar bem rarefeito. Mas assim como o nosso hemisfério cerebral esquerdo (o da razão, da cultura e da consciência crítica) convive com o direito (da criatividade, das imagens e certamente da fé) podemos sim conciliar ambas as forças.
A fé desprovida da companhia da razão é desastrosa, é monopolizante, conduz frequentemente ao fanatismo e é destrutiva. A razão despida de toda e qualquer manifestação de fé (religiosa ou mística) é altamente limitante. Uma pessoa que se diz 100% racional terá dificuldades para conviver com os mistérios da vida, que são muito mais antigos e complexos que a razão e a cultura humana podem alcançar.
A fé é o barquinho que nos permite atravessar o oceano negro dos mistérios da vida. Mas se houver apenas fé, haverá apenas oceanos negros de mistérios.
Aristóteles, Buda e Confúcio se perguntados sobre o dilema entre fé e razão, diriam: "A solução é o caminho do meio!"