Caminhos para um diálogo saudável e eficaz

por Luís César Ebraico

Iniciei uma série de quatro textos sobre orientação *loganalítica via internet. O link do primeiro texto (clique aqui), do segundo texto (clique aqui), do terceiro texto (clique aqui)

Continua após publicidade

Agora escrevo a parte final deste texto.

Final

No fim da primeira parte dessa série de artigos afirmei:

“Note-se que, à medida que se vai instalando a *Nova Conversa, tendem a vir à tona sonhos, lembranças da infância e, com eles, a remissão de sintomas”.

Continua após publicidade

Com efeito, após a troca de e-mails que comentei até aqui, Paula me envia dois sonhos que transcrevo a seguir.

No final deste texto coloco minhas conclusões sobre essa experiência de tentar orientar loganaliticamente alguém através de e-mails. Mas vamos ao relato de Paula:

César, não sei se os sonhos que relato a seguir têm alguma relevância, mas achei que deveria contá-los para você. São dois e ocorreram na noite passada.

Continua após publicidade

“Em um deles você me entregava sua resposta ao meu e-mail em um pergaminho enorme, maior do que eu, em forma de poesia com uma pintura no fundo, era uma figura daqueles deuses hindus que têm vários braços (durante o dia de ontem uma amiga do trabalho estava falando sobre o Tibet e acho que isso puxou esta imagem no sonho).

No outro sonho minha mãe chegava falando sobre um padre que ela tinha conhecido e dizendo que queria que eu e meu marido casássemos na Igreja. Eu dizia que não iria propor isso para ele, pois sabia que ele não concordaria e ela dizia para eu não me preocupar, que ela falaria com ele.”

Paula , há duas maneiras básicas de se interpretar sonhos: uma, para fins de pesquisa; outra, para fins profiláticos ou terapêuticos. Essa última, naturalmente, é a que nos interessa e, nesse caso, é fundamental que, entre os infinitos temas que ocupam um sonho, sejamos capazes de distinguir qual, naquele momento, é a “bola da vez”, o que nem sempre é possível logo no início de um trabalho como o nosso. E, quando o psicólogo interpreta sem saber qual é a “bola da vez”, ele arrisca desviar a atenção do paciente para um assunto naquele momento imaturo ou irrelevante para análise. Não me sinto com dados suficientes para saber, dentre os vários temas aludidos nos sonhos acima, qual deveria ser preferencialmente abordado, por isso, prefiro abster-me de comentá-los. Mas os sonhos ficam registrados, talvez mais adiante possamos voltar a eles mais aparelhados para os interpretar com proveito.

César, lembrei de um outro diálogo com meu marido que aconteceu há alguns meses, não sei se bem ou mal sucedido…

Paula: Eu fiquei chateada quando você me contou aquilo.

Felipe: Não posso te contar mais nada agora? Você é a única pessoa com quem eu posso conversar sobre isso!

Eu: Pode contar, sim. Contanto que ele tenha “caixa” para ouvir de volta o impacto do que o que conta tem sobre você. E, se fica, por exemplo, decepcionado com a natureza desse impacto, ser capaz de enunciar essa decepção para você, o que lhe daria o consequente direito de enunciar o impacto de desilusão que a decepção dele tivesse sobre você e assim por diante, ad infinitum…

Paula: Você pode contar tudo o que você quiser, mas eu não posso te prometer que eu vou reagir sempre bem quando ouvir, às vezes pode ser que eu fique chateada, como ontem. Fica a seu critério decidir se conta ou não.

Eu: Caramba! Você está aprendendo!

Paula (dirigindo-se a mim): Depois disso ele nunca mais falou nada sobre o assunto em questão (as aventuras sexuais dele com outras mulheres). Eu não sei se o que fiz foi recalcá-lo, pois muito pouco do que ele conta sobre este assunto está relacionado a emoções, vontades, desejos. São em geral relatos descritivos, daqueles que os homens fazem em mesa de bar entre amigos para contar vantagem. E me machuca ouvir isso! Até que ponto vai o saber ouvir e onde começa o meu respeito ao meu não querer ouvir o que me machuca?

Eu: Realmente, fica difícil justificar a postura de “eu quero que você suporte ouvir o que lhe desagrada, mas não suporto o desagrado de ouvir que o que eu disse lhe desagradou”. Tal postura termina necessariamente por levar ao silêncio e à alienação entre as partes. De qualquer forma, acho que favorece mais seu crescimento você permitir que ele fale e comunicar o impacto que isso tem sobre você do que mandá-lo calar a boca.

Paula (dirigindo-se a mim): E outra coisa, ele sempre vem com esta história de que eu sou a única pessoa com quem ele pode conversar sobre mulheres e trabalho. Eu não acho que eu deva ser a única, seria saudável que ele tivesse outras pessoas que pudessem ouvi-lo também. Eu não dou conta de tudo! E eu não conto com ele para ouvir tudo o que preciso falar.

Eu: Gosto do ditado que define a política como “a arte do possível”. Penso que, a essa altura da relação de vocês, o “possível” é fazê-lo ver a falta de simetria existente em ele querer que você enfrente o desagrado de ouvir o que você não gosta de ouvir – o que me parece, entre casais, uma demanda legítima – sem lhe obsequiar de volta com a mesma gentileza. Creio que tentar fazê-lo desviar seus diálogos mais íntimos para a relação com outras pessoas é “missing the point” e irá, em médio prazo, esvaziar a de vocês.

Paula (dirigindo-se a mim): Aproveitando o e-mail, um sonho que tive esta noite: Eu estava beijando um menino que estudou comigo quando eu tinha meus 12 ou 13 anos, foi um sonho extremamente excitante e prazeroso. Eu nunca mais tive contato com este menino e, pra ser sincera, nem lembro de seu nome, mas a lembrança que tenho dele é a de uma festa de aniversário em que todos os meninos estavam de olho na menina nova que havia chegado de outra escola, a mais bonita da turma; e ele, todo pequenininho, uns 15cm menor do que ela, sem grandes atrativos, foi lá e ficou com a menina. Para surpresa de todos.

Eu: Bem, com a adição desse sonho ao material que você me trouxe até agora, oralmente e por escrito, arrisco aventar que seu “isso” (a parte de nossa mente que não reconhecemos como parte de nosso “eu”) está tentando descobrir qual a melhor forma de compreender e lidar com o eixo temático VALOR-DESVALOR, eixo que mantém evidentes associações com o de VINCULO-ABANDONO. As perguntas que seu “isso” está se fazendo parecem ser: “tenho ou não tenho valor?”, “uma pessoa pode ter valor e, ainda assim, ser abandonada?”, “ou não ter e, assim mesmo, ser querida?” e outras de mesmo jaez.

Evidentemente, com o pouco material que possuímos, isso não passa de um pensamento plausível, que pode ou não ser posteriormente descartado. É uma hipótese, não uma tese. Como dizia, sempre que lhe faziam uma pergunta, um personagem de uma peça de Nestroy, teatrólogo austríaco frequentemente citado por Freud: “Tudo ficará claro com o futuro desenrolar dos acontecimentos”.

Conclusão

Paula e eu ainda trocamos mais alguns e-mails. Cerca de vinte dias depois do último a que me referi, recebi a seguinte mensagem:

“César, só adiantando: minha relação com o meu marido mudou da água pro vinho depois dos seus comentários sobre nossos diálogos. Estou muito feliz, mas conversamos melhor na próxima sessão.

Obrigada!

Paula.”

Considerações finais

Quais são minhas conclusões sobre orientação loganalítica via e-mails?

As seguintes:

1) Que ela pode, de fato, ser útil, como atesta a última mensagem de Paula que transcrevi;

2) Que não vale a pena utilizar esse tipo de mídia para tal fim. A relação custo-benefício é desfavorável. Propus a Paula que, frente ao sucesso dessa “orientação à distância via e-mail”, testássemos como seria a continuação do trabalho por vídeoconferência. Fizemos isso e ficou claro – como seria razoável esperar – que, dessa forma, a economia de tempo para produzir a mesma quantidade de trabalho é imensa: nessa experiência com Paula, uma idêntica quantidade de trabalho, quando feito por e-mail, toma cerca do quádruplo do tempo do que toma quando feito por vídeoconferência, tempo esse equivalente ao de sessões “tête-à-tête”.

No presente momento, só vejo cabimento de se empregarem e-mails para orientação loganalítica à distância, quando a possibilidade de vídeoconferência inexiste. Há, na verdade, uma vantagem no uso de e-mails, mas essa, para fins de pesquisa: esse tipo de mídia deixa um registro escrito de todo o processo, podendo-se manter com facilidade o anonimato do paciente.

3) Numa época em que se realizam delicadas cirurgias por computador, chega a ser antiético colocar obstáculos a que profissionais competentes disponibilizem orientação ou tratamento psicológicos mediante tal tipo de recurso, mormente em situações especiais, como a de pacientes em pleno tratamento obrigados a fazer deslocamentos para outras cidades, dentro ou fora de seu território nacional, pacientes impossibilitados de deslocar-se até o consultório de seu psicólogo por razões físicas ou psicológicas (paralisias, grave agorafobia, estados depressivos graves, uso de tóxicos pesados etc.), residência em regiões que não possuem recursos adequados de atendimento psicológico, etc..

4) Cumpre, naturalmente, produzir regulamentação que reduza o quanto possível o espaço que esse tipo de atendimento à distância possa abrir para o charlatanismo e o engodo, (a) orientando a população sobre como proteger-se (por exemplo, exigir CRM e CRP de quem oferece o serviço e checar sua autenticidade e validade nos respectivos conselhos) e (b) regulamentar mais finamente o uso desse tipo de mídia na clínica psiquiátrica e psicológica (por exemplo, exigir que o profissional em pauta comunique aos respectivos Conselhos o início, fim e andamento, da prática em questão);

Adendo

1) Já em pleno teste de orientação loganalítica por vídeoconferência, ocorreu algo deveras ilustrativo quanto ao poder da informação, quando posta à disposição de pessoas inteligentes e relativamente saudáveis, como é o caso de Paula e Felipe:

A certa altura de nosso relacionamento, a preocupação com a relação entre os dois foi posta temporariamente de lado frente ao fato de o filhinho deles – de quatro anos, se bem me lembro – não estar conseguindo defecar HAVIA DEZ DIAS. Trouxeram essa preocupação para mim. Perguntei-lhes se haviam consultado pediatras.

Consultaram mais de um, sem resultado. Perguntei-lhes se esses pediatras haviam encontrado alguma base orgânica para a prisão de ventre. Não, não haviam encontrado. Disse-lhes, então, que valia a pena testarmos a possibilidade de o sintoma ser de origem psicológica e acrescentei que, via de regra, cabe começar by the book, pela cartilha, e, se não tivéssemos resultado, procurar novas hipóteses. Acrescentei que, by the book, do ponto de vista psicológico, uma pessoa que não consegue defecar, que, portanto, está CHEIA DE FEZES, está metaforicamente ENFEZADA, ou seja CHEIA DE RAIVA, e que isso fazia suspeitar que alguma coisa havia ocorrido que provocara no menino esse tipo de sentimento e, fosse isso verdade, e eles tivessem impedido o menino de expressar essa raiva, tal poderia ser a origem do sintoma. Tenho tido contato com o casal uma vez por semana.

Na sessão seguinte, me disseram que o menino voltara a defecar, só não o havendo feito um único dia, durante os sete que mediaram aquelas nossas duas sessões. Eles haviam seguido a contento minhas instruções, deixando o menino enunciar a raiva que um evento recente lhe havia provocado e que os pais lhe haviam anteriormente impedido de expressar.

2) Após cerca de três meses de orientação loganalítica, Felipe e Paula decidiram, de MANEIRA CIVILIZADA E SERENA, como rara vez se vê em uma separação, que os respectivos pontos de vista sobre como deveria ser uma relação amorosa a dois eram por demais diversos e que, portanto, deveriam, pelo menos, sine die, “dar um tempo”, podendo ou não, chegar a reatar de novo. Paula decidiu, então, suspender, também sine die, nossos contatos (o último, por razões técnicas, foi por telefone, não via Internet), enviando-me a mensagem que acabei de receber e que transcrevo em seguida:

“César,

Queria agradecer a você por toda a ajuda neste período. Sem dúvida foi o mais intenso da minha vida, as mudanças internas mais profundas e, o que é melhor, eu sinto que boa parte disso fui eu quem orquestrei, com sua orientação. Sinto que agora deixei de ser conduzida e passei a conduzir minha vida em direção do que eu quero e acredito.

Como eu te disse, tenho algumas questões financeiras para resolver agora com a separação, rever minhas contas, me reorganizar, e optei por suspender, por enquanto, nosso trabalho. Claro que o motivo não é apenas financeiro, neste momento eu vejo as coisas com bastante clareza e me sinto segura para interromper nosso trabalho.

Caso eu sinta necessidade de retomar, ou quando eu me reorganizar e puder retomar as sessões sem aperto, entro em contato com você.

Muito obrigada!

Beijo,
Paula.”

Respondi da seguinte forma:

“VALEU! Dê notícias de vez em quando. Gostaria de fazer follow-up de nosso trabalho.

P.S.: Imagino que“PAULA” estaria disposta a fornecer diretamente ao CRP-05 um depoimento pessoal sobre o processo que atravessou comigo, caso o Conselho entenda que isso iria enriquecer sua avaliação dos resultados do uso da mídia internáutica na orientação e tratamento psicológicos.

*Nova Conversa: Livro do autor desta coluna com base na loganálise, segundo ele, uma espécie de filhote da psicanálise, que trabalha com o poder da palavra e o diálogo nas relações interpessoais.