“As medicações derivadas dos canabinoides, e aprovadas para uso clínico, devem sim fazer parte do arsenal médico no combate às diferentes doenças…”
Tema proposto pelo editor com base no seguinte material de divulgação enviado à Redação:
A ciência tem comprovado cada vez mais a importância da cannabis na qualidade de vida do paciente oncológico. O complexo mecanismo de ação da cannabis faz com que seja útil em diferentes sintomas do paciente oncológico e sob cuidados paliativos como a dor, a náusea e vômitos secundários à quimioterapia, a perda de apetite, as alterações de humor e distúrbios do sono. Como coadjuvante no tratamento oncológico ela pode diminuir o número de medicamentos necessários inclusive o uso ou doses de opioides com diminuição dos efeitos adversos destes.
Resposta: Temos neste site Vya Estelar, de forma recorrente, comentado sobre as propriedades benéficas e também nocivas dos derivados canabinoides. Abaixo, aponto alguns denominadores comuns desta discussão:
a) nenhuma droga é boa ou má por si só;
b) no terreno fértil da farmacologia e das pesquisas clínicas, uma das importantes tarefas dos pesquisadores é identificar as propriedades benéficas dos diferentes tipos de substâncias;
c) também neste terreno, os pesquisadores precisam identificar os efeitos colaterais, lesivos e as propriedades nocivas dos diferentes tipos de substâncias testadas;
d) as doses das substâncias devem ser rigorosamente estabelecidas para o tratamento das diferentes doenças em humanos (e também em animais), com a finalidade de evitar consequências danosas e desenlaces trágicos;
e) nenhuma substância é milagrosa, uma panaceia; ela sempre precisa ser prescrita por médico plenamente habilitado e treinado para tal focando no problema clínico específico, com elevado nível de segurança terapêutica.
Separar “o joio do trigo” é uma das mais árduas tarefas dos pesquisadores durante as pesquisas clínicas envolvendo os derivados canabinoides. Alguns derivados canabinoides, como é o caso do Canabidiol, Nabilona e Dronabinol, têm demonstrado eficácia clínica para o tratamento de diferentes sintomas, como por exemplo a espasticidade muscular severa, a dor refratária, os quadros de anorexia relacionados com a AIDS, os sintomas dos transtornos do espectro autista, os vômitos incoercíveis pós quimioterapia, dentre outros.
Derivados canabinoides: efeitos
De qualquer forma, deve-se sempre lembrar que os vários derivados canabinoides podem apresentar, de forma variável, os seguintes famigerados efeitos:
a) Percepção e sensação: fadiga, euforia, modificações sensoriais, sensação de estar diferente, alteração da percepção do tempo, alucinações e outros estados psicóticos;
b) Desempenho e cognição: pensamento fragmentado, perturbação da memória, alteração da marcha, piora ou melhora do desempenho motor;
c) Demais funções no sistema nervoso: analgesia, relaxamento muscular, aumento do apetite, neuroproteção;
d) Temperatura corporal: redução da temperatura corporal;
e) Sistema cardiovascular: aumento da frequência cardíaca, vasodilatação periférica, hipotensão ortostática (quando a pessoa se levanta de uma posição sentada);
f) Olhos: olhos vermelhos, alteração da pressão intraocular;
g) Sistema respiratório: bronco-dilatação, boca seca, redução da produção salivar;
h) Trato gastrointestinal: retardo do esvaziamento gástrico;
i) Sistema hormonal: atividades sobre o funcionamento dos hormônios sexuais, redução da mobilidade de espermatozoides, desregulação do ciclo menstrual;
j) Sistema imunológico: atividade anti-inflamatória, melhora de determinados tipos de resposta imunológica;
k) Desenvolvimento fetal: má formações, prejuízos cognitivos sérios ao feto, retardo no ganho ponderal;
l) Material genético e câncer: inibição da síntese de proteínas, atividade antineoplásica (contra o surgimento de células atípicas).
Os efeitos listados em negrito são apenas alguns daqueles procurados nos derivados canabinoides pela Medicina. No entanto, nem tudo são flores. Devemos sempre ficar alerta aos efeitos indesejáveis e nocivos.
Muitas pessoas confundem a aprovação das medicações derivadas dos canabinoides com uma “chancela” para o uso da maconha. Temos que lembrar que são coisas bem diferentes. A maconha é fumada, no cigarro de maconha existem concentrações de Tetrahidrocanabinol (THC) difíceis de mensurar, o cigarro usualmente contém adulterantes imprevisíveis, o THC tem a propriedade de induzir quadros de síndrome de dependência e síndrome de abstinência, dentre outros quadros psiquiátricos.
No presente momento, as medicações derivadas dos canabinoides e aprovadas para uso clínico devem sim fazer parte do arsenal médico no combate às diferentes doenças, como é o caso da dor crônica refratária. De qualquer forma, é importante destacar aqui que os derivados canabinoides não constituem o tratamento de primeira linha para os diversos quadros de dor crônica.
No caso de indicação dos derivados canabinoides para tratar a dor crônica, algumas diretrizes ao redor do mundo (Canadá, por exemplo), sugerem que tais drogas possam ser propostas como uma terceira linha de atuação. Dito isso, mostro abaixo as três linhas de atuação farmacológica para o tratamento da dor crônica:
a) Primeira linha: os chamados gabapentinoides (Gabapentina e Pregabalina), antidepressivos tricíclicos, e antidepressivos inibidores da receptação da serotonina E da norepinefrina;
b) Segunda linha: tramadol e outros opiodes de liberação controlada;
c) Terceira linha: derivados canabinoides.
Uma parte significativa dos estudos clínicos investigando a eficácia dos derivados canabinoides no manejo clínico da dor crônica utilizaram amostras com tamanho pequeno, duração curta do tratamento, falta de homogeneidade nas fórmulas e na administração das drogas, uso de placebo no grupo controle (ao invés de medicações já consagradas para o manejo da dor crônica).
O que podemos afirmar hoje, além de uma dúvida razoável, é que algumas medicações derivadas canabinoides podem ser utilizadas no tratamento de diversas mazelas médicas, desde que sob supervisão estrita. Devemos, no presente momento, sempre lançar mão das diretrizes internacionais, priorizando os tratamentos farmacológicos convencionais associados com o manejo não farmacológico (fisioterapia, acupuntura, atividades físicas etc).
Sim, temos boas notícias !!! Todavia, o rigor nas avaliações médicas e nas prescrições deve sempre ser a prioridade.