por Monica Aiub
Uma queixa muito comum no consultório de filosofia clínica – e fora dele também – é o cansaço. Desde o cansaço da correria cotidiana, e sua constante repetição, até o cansaço existencial. "Estou cansada(o) dessa vida"; "A vida é muito longa, por que não acaba logo?"; "Estou cansada(o)… [acompanhado de silêncio, pois o cansaço é tão grande que até falar se torna difícil. E você, leitor, sente-se cansado ultimamente? Como é esse cansaço? O que lhe cansa?
Fatalidades, decepções, cobranças, problemas inesperados, frustrações, excesso de trabalho, falta de trabalho, insegurança, assédio moral, assédio sexual, bullying, presença do outro, ausência do outro… muitos são os diferentes fatores causadores de cansaço em diferentes pessoas e contextos. O que me descansa pode lhe cansar e vice-versa. Este é, de fato, um assunto que não se esgota em poucas páginas, por isso abordarei aqui apenas pequenos fragmentos de uma gigantesca questão.
O primeiro ponto que considero importante destacar é que o cansaço é real, existe mesmo e, em alguns casos, é preciso apenas descansar. "Apenas descansar?! Como isso é possível se o dia tem menos horas do que necessito?" – afirmam alguns.
Num contexto de alta performance e produtividade, o tempo para descansar tornou-se artigo de luxo. Sem perceber, às vezes sem desejar, muitos de nós somos absorvidos por uma ciranda interminável de produtividade, que nos consome e esgota. A ideia de ócio produtivo, apresentada por Domênico de Masi, parecia anunciar uma época em que teríamos tempo para o lazer, a cultura, o estudo e o descanso. Mas não foi esse o projeto que se cumpriu. Os momentos de ócio foram capitalizados, e de tal modo que, para muitos, o tempo de "descanso" é mais cansativo do que o tempo dedicado ao trabalho, pois para que o ócio seja produtivo, precisa deixar de ser ócio. Nas horas de folga, precisamos fazer algo, pois se não o fizermos, perdemos tempo.
Horas de folga
Este é outro ponto a se observar. Com a flexibilização do tempo no trabalho, que prometia, inicialmente, permitir ao profissional a gestão de seu tempo, conseguimos, de fato, um contexto no qual não nos desligamos do trabalho por um único instante. Celulares, tablets, computadores, aos quais nos conectamos 24 horas por dia, nos mantêm conectados ao trabalho 24 horas por dia. Há quem sonhe com o trabalho, há quem durma com o celular ligado, porque precisará responder ao chamado do trabalho, caso ele aconteça.
O encontro familiar ou com os amigos também pode ser interrompido por uma chamada ou mensagem de trabalho, assim como tais encontros facilmente podem se tornar uma reunião de negócios. O próprio grupo de amigos, ou o grupo familiar, é encarado por muitos como network, o que gera um estresse adicional por exigir o comportamento e a expressividade padrões do cotidiano do trabalho.
As redes sociais ora cumprem o papel de network, ora geram um excesso de informações que necessitam de um "filtro" quem nem todas as pessoas possuem, mas ainda que possuam, exigem tempo para analisar e "filtrar" o que é ou não relevante. Assim, as redes sociais, que muitos têm como uma forma de descanso e encontro com os amigos, em grande parte das vezes é mais um fator que consome tempo e energia, gerando mais cansaço.
Além disso, a condição de grande parte da população é trabalhar para pagar contas, e muitos não apenas não possuem recursos para atividades de lazer e tempo para o ócio, como se encontram numa situação na qual os recursos são insuficientes para a sobrevivência e/ou para sustentar um determinado padrão de vida. "Trabalhar para pagar contas"; "O salário que é insuficiente no final do mês"; "Os preços sobem e o salário não acompanha"; "As dívidas crescem e os projetos ficam interrompidos"… As preocupações que envolvem as questões da sobrevivência são, também, geradoras de cansaço.
Consulte um médico
É importante destacar que, em alguns casos, o cansaço é gerado por questões relativas à saúde, assim, além de observar os fatores geradores de cansaço em seu cotidiano, é sempre bom consultar um médico para verificar se está tudo certo com sua saúde. Alterações hormonais, falta de vitaminas e algumas síndromes podem gerar cansaço, e em casos assim, é preciso um tratamento médico.
Cansaço circunstancial e existencial
Os casos de cansaço gerado por situações circunstanciais podem ser momentâneos. Há fases da vida em que necessitamos, por algum motivo, ir além de nossos limites. Mas tais situações têm se tornado um padrão para grande parte das pessoas, alongando-se por muitos anos e, às vezes, por toda a vida. Quais os nossos limites? O que acontece conosco quando tentamos ultrapassá-los? Há limites para tal ultrapassagem?
Algumas pessoas escolhem um modo de vida no qual o cansaço é inerente, porque cotidianamente precisam transpor seus limites: trabalhar mais horas, correr mais, deslocar-se para locais mais distantes, dormir menos, abrir mão de refeições, negligenciar as atividades que não estão diretamente relacionadas ao trabalho. Será que tais pessoas escolhem de fato esse caminho ou são levadas a crer que o escolheram? Se escolhem, por quais motivos fazem tal escolha? Como se sentem diante dos resultados dessa escolha?
Outras pessoas, mesmo sem desejar, ainda que não tenham escolhido para si tal situação, vivem de modo que se sentem esgotadas o tempo inteiro, como se a cada momento dessem o último respiro. Imaginam que viverão assim por um tempo, mas ficam presas a situações que mais parecem uma armadilha, não conseguindo modificar a situação.
Mais grave ainda, é o fato de termos a superação dos limites, o esgotamento ao extremo, como um modelo para vida. Obviamente, tal modelo é bastante útil para alavancar a produção, explorando ao máximo as forças produtivas, mas qual o custo existencial efetivo dessa opção de vida para quem a segue?
Em todos os casos citados cabe perguntar: Quero viver dessa maneira? Que outras possibilidades tenho? Quais são as consequências de viver como vivo? Sei viver de outra maneira? Quero viver de outra maneira? E muitas outras questões que somente conseguimos levantar quando nos permitimos sair da ciranda interminável, quando nos permitimos dedicar uns minutos de nosso tempo para avaliar nosso existir e, se necessário, buscar formas para reconstruir nossos modos de viver.