por Edson Toledo
Neste post abordarei o outro componente da personalidade, lembre-se que no anterior (veja aqui) falamos sobre o temperamento. Então neste falaremos sobre o caráter. Naquela ocasião eu disse que a personalidade pode ser entendida como o resultado da combinação e interação desses dois componentes.
Sobre o caráter podemos dizer que ele está associado à consciência que a pessoa tem de si, dos outros e do mundo que a rodeia. Conforme proposta do psiquiatra americano Robert Cloninger, o mesmo que propôs as quatro dimensões do temperamento comentadas no post anterior.
A ciência moderna preconiza a ideia de que cada um de nós nasce com uma índole, boa ou má, foi substituída pelo conceito de que temos livre-arbítrio para agir de acordo com nossos princípios, mas sem ignorar o fato de que somos parte integrante de um grupo social, influenciados pelas normas por ele regulada.
Assim, na formação da personalidade temos um componente biológico e outro ambiental. O caráter seria a porção aprendida, influenciada pelo temperamento e, ao mesmo tempo, capaz de influenciá-lo. Portanto, por mais força que o componente biológico tenha na formação da personalidade, as experiências vividas e o aprendizado contribuem para a equação final, sempre dinâmica.
Nesse sentido, Cloninger propôs três fatores de caráter: autodiretividade, cooperatividade e autotranscedência. A luz desses fatores, pessoas com níveis baixos de autodiretividade e cooperatividade tendem a apresentar traços patológicos de personalidade. Na linguagem popular, são os chamados indivíduos com "má índole, mau caráter, imaturos e infantis", entre outras denominações.
Para melhor entender, faremos breve resumo dos três fatores e suas implicações na dinâmica da personalidade.
O fator autodiretividade está ligado à retidão de propósitos, ou seja, a características como responsabilidade, objetividade e autoconfiança. A pessoa conhece suas limitações em uma derrota insuperável. Como planeja e age na direção de suas metas, não se perde em idealizações e fantasias, sendo otimista em relação ao futuro e arranja de forma pragmática soluções para os problemas. Trata-se de uma pessoa focada.
Mas se o fator autodiretividde for baixo, acontecerá o oposto, em vez de encarar as dificuldades, o individuo tenderá a preferir culpar-se excessivamente ou atribui culpa aos outros. Tenderá a viver num estado de letargia, evitando desafios e pode se refugiar em fantasias. A fantasia será consequência do excesso de pessimismo e da fixação em referências do passado.
Outro aspecto a considerar é que a satisfação nesses casos poderá ser fugaz, levando o sujeito a correr riscos, como abusar de drogas, fazer sexo sem proteção ou dirigir com irresponsabilidade. Sua competência para resolver problemas é restrita.
Resumindo, a autodiretividade é a capacidade de controlar, regular e adaptar nosso comportamento. Está ligada a características como integridade, honra, autoestima, liderança e esperança de que é possível vencer obstáculos e seguir em frente. Também trata da maneira que o individuo age para atingir seus objetivos.
O fator cooperatividade, por sua vez, é aquela capacidade de aceitar as pessoas como elas são e de lidar de maneira positiva com as criticas que recebemos. Também se refere a conceitos como empatia, que é a possibilidade de nos colocarmos no lugar do outro.
Está relacionado, ainda, com a habilidade de agirmos como conciliadores em situações de conflitos, de sermos justos e igualitários e de admirarmos as vitórias alheias.
Agora, uma pessoa com níveis baixos de fator cooperatividade tende a ser intolerante e desatento aos sentimentos de terceiros. Sua independência excessiva faz com que seja pouco solidária, chegando até a atrapalhar a caminhada do outro. A necessidade de dominar também pode fazer com que esteja sempre tentando tirar vantagem de tudo. O individuo se torna invejoso e mesquinho.
Em poucas palavras, a cooperatividade é o que nos leva a aceitar os outros e criar elos com eles. É um fator ligado à empatia, ou seja, à capacidade de se colocar no lugar do outro, e à compaixão. O sujeito desenvolve consciência e senso de comunidade.
O fator autotranscendência envolve a característica humana de ir além da existência individual. Estão associados aos nossos valores espirituais, que podem se expressar na ética, na arte, na cultura ou na crença de um poder divino.
Na avaliação de especialistas, esse fator estaria relacionado, por exemplo, a alcançar estados de consciência que nos levam a esquecer momentaneamente as noções de tempo e espaço. Isso nos torna imaginativos, intuitivos e idealistas. Pessoas com níveis baixos do fator autotranscendência tendem a se tornar materialistas. Para elas, "ter" seguramente vale mais do que "ser".
Podemos dizer que autotransdência é a noção de que todas as pessoas e coisas fazem parte de um conjunto universal. Essa característica está relacionada ao movimento de sairmos da nossa onipotência para compormos um todo.
Cada pessoa pode apresentar uma ou mais dos fatores citados acima, em maior ou menor grau, e o caráter também tende a ser mais ou menos adaptativos e a se sobressair ou a se retrair de acordo com a situação apresentada.
Mesmo sem saber a proporção exata da influencia do meio na formação do caráter, é evidente que viver num ambiente positivo, com afeto, condições sociais adequadas e noção de valores como compaixão e empatia pode aumentar a chance de uma pessoa não desenvolver um traço patológico de personalidade.
Gostou do tema? Consulte "Psicopatas do cotidiano" de Katia Mecler (2015), que apresenta um texto bem didático sobre o tema.