por Roberto Goldkorn
Para quem não está familiarizado o Louco é a carta (ou lâmina como preferem os mais puristas) zero no oráculo do Tarô. Sua presença não é muito apreciada, porque representa o estágio pré-criação, o caos primordial, a bagunça das coisas misturadas e ainda não nomeadas e organizadas.
Em geral essa carta não nos dá boas notícias.
O Louco é a carta da criança que enfia o dedo na tomada de eletricidade, que veste uma capa de super-homem e quer sair voando pela janela, que atravessa a rua distraída sem se preocupar com os carros passando velozes. Mas se é admissível e lógica para o desenvolvimento mental/emocional de uma criança, para o adulto é no mínimo perigosa. Um adulto que se comporta como uma criança não pode esperar colher frutos muito generosos – no mínimo acidentes, perdas e marginalização social.
Em termos psicológicos o Louco nos acena com processos regressivos, esqueça essa coisa poética de que é a criança interior que está se manifestando; adultos são (ou deveriam ser) adultos e ponto.
Quando o Louco está no comando o adulto está renunciando à sua autonomia tão duramente conseguida ao longo do tempo, de milhares de processos bioquímicos e de um duro aprendizado social. E quando renuncia ao comando de sua vida, alguém vai ter de assumir essa tarefa inglória: os médicos, a família, o Estado ou qualquer instituição que tenha como objetivo cuidar de quem não consegue mais cuidar de si mesmo.
Mas e quando o Tarô nos aponta justamente O Louco como receita ou solução? Às vezes diante de alguns dilemas do tipo encruzilhada, perguntamos ao Tarô qual o caminho, qual a orientação a seguir para sair do labirinto, e o oráculo nos responde com a carta do Louco.
O que o Tarô pode estar nos dizendo sugerindo que devamos agir como o Louco – o instintivo?
Antes de responder vamos ver como o mundo adulto pode ser limitado e emburrecido. Devemos nos lembrar que a condição primordial para nos tornarmos adultos é a aceitação da cultura que rege a nossa sociedade. Aceitar e conviver com os padrões criados e realimentados pela nossa sociedade é uma das condições para nos tornarmos adultos aceitos e membros da comunidade. Se por um lado isso é uma condição inerente a todo processo social, por outro pode ser castrador, bloqueador dos processos mais criativos, gerando uma homogeneização intelectual que empobrece e desumaniza o indivíduo.
Ao longo da história pudemos ver sociedades altamente organizadas e educadas que abraçaram regimes genocidas, belicistas, que por sua vez produziram sofrimento em escala planetária.
Assim, quando o Tarô oferece o Louco como conselho está nos dizendo mais ou menos isso: você precisa sair do trilho momentaneamente, pensar fora da caixinha, resgatar estágios pré-domesticação – ser mais inventivo.
Pensar e agir como Louco pode ser uma dica para que você se olhe e veja o quanto renunciou à sua individualidade, na tentativa de se enquadrar socialmente, e isso pode tê-lo conduzido a um curral onde sua vida foi totalmente cooptada pelo coletivo. Você deixou de ser você para ser um dente na engrenagem social.
Se o Louco é a criança que quer voar como super-homem, também é a criança que vê (e diz) que o rei está nu, e sem essa criança que nos resgata para a realidade, estaremos perdidos, somos apenas robôs sociais, seres vazios ocupados por programas fabricados em lugares longínquos e em tempos sombrios, que não têm a nossa participação ativa.
Quando eu sou obrigado a dizer para alguém: "Seja Louco!", é por que essa pessoa está deixando que se vampirize a sua individualidade, está secando seu mar de criatividade, está se entregando placidamente nas mãos do sistema (seja ele religioso, político, social etc.) e autorizando que ele administre a sua vida, seus pensamentos, seus sentimentos.
Se por um lado o Louco é a apoteose do individualismo que se afasta para os extremos opostos do senso comum – tirando a roupa num aeroporto e sendo agredido por isso – por outro pode ser a receita para nos resgatar da vala comum dos que optaram por abandonar seu Eu em favor do Sistema que passa a ter o controle total.
O Louco é o convite para o questionamento, para o investimento na inventividade, na quebra da rotina que aprisiona e emburrece. "Seja mais Louco" pode ser uma instigação para a mais poesia, mais arte, mais rebeldia saudável, mais investimento nos riscos do amor. Pode ser um passaporte para uma viagem com mochila nas costas, sem muito planejamento, meio "sem destino".
É preciso que se diga, que mesmo em sua face mais risonha, mais saudável, o conselho para ser ou agir Louco, está sempre tangenciando o perigo. Ao gritar que o rei está nu, corre-se o risco de ser preso ou estigmatizado pela multidão adestrada (que sabe que para manter a cabeça sobre o pescoço é melhor ver a linda roupa nova do rei). O Louco pode ser detido pela imigração do país porque está viajando sem grana e parece meio "perigoso", ou perceber que ao voltar de suas férias arrancadas na marra pelo Louco, seu emprego já era. O Louco é um passo em falso no mundo de possibilidades boas e/ou arriscadas, é um desequilíbrio que pode nos lançar num abismo, que pode nos matar, mas também nos fazer renascer melhor, mais vivos que nunca e apaixonados pela nossa vida.