Por Regina Wielenska
Muitas vezes ouvi em minha vida como terapeuta relatos, em geral carregados de sofrimento, sobre casais que decidiram se unir pela única razão de que se depararam com uma gravidez não planejada. Ouvi explicações de que o preservativo se rompeu, de que se esqueceram da pílula, de que o desejo por uma noite de sexo foi suplantado pela falta de contracepção adequada, de que acreditavam na eficácia do coito interrompido etc.
O fato em comum a estas histórias é que o casal inicialmente tinha uma baixíssima inclinação ao casamento antes do surgimento da gravidez inesperada. A partir desse ponto, os enredos variam. Alguns casaram por dever moral ou sentimentos de vergonha ou culpa, e achavam que deviam constituir família pela criança que estava por vir. Outros se engajaram em casamentos forçados por convenções religiosas ou pressões das respectivas famílias. Há nuances a serem especificadas caso a caso.
Casar por pressão ou por convicção
O que eu me pergunto é o seguinte: esses jovens acabariam por casar, sem pressão alguma em vigor, se a gestação não houvesse ocorrido? Havia uma expressiva afinidade entre eles, compatibilidades de valores, sonhos e planos de vida? O quanto de amor genuíno reconheciam existir entre eles?
Muitos casos são um desastre anunciado: juntam os trapos por dever, sem real conexão afetiva. O moço pode querer ser responsável, diferente de seu pai, que deixou a namorada grávida largada à própria sorte. A moça pode fazer pressão para casar porque na verdade anseia se ver livre da opressão dos pais; ela quer ter um lar próprio, ser independente, mas traça para si um caminho tortuoso. O que desejo salientar são eventuais razões espúrias, nem sempre claramente definidas, são razões indevidas que levam um casal a se unir formalmente, supostamente em prol da criança que está por vir.
Suposto dever moral
Penso haver uma confusão no horizonte: que bem-estar legítimo se oferece à futura criança, se o casal não se dá bem, vive em descompasso, apenas sob o fardo de um suposto dever moral? Eles se entrosaram num momento apenas sob a ação do desejo sexual, estavam se conhecendo, em alguns casos apenas avaliando compatibilidades para uma eventual, remota união. De verdade não eram bons candidatos a formar um casal e casaram supostamente por dever.
Como é a vida de uma criança nascida sem planejamento, se desenvolvendo em meio a pais que não se dão bem? Há frieza entre eles? Distanciamento, indiferença, hostilidade, mágoa, discordâncias? Será a criança bem criada por pai e mãe? Crescendo, a criança pode ouvir histórias, descobrir que sua chegada ao mundo foi acidental. Um casal que vive sem amor é facilmente detectável por quem está ao redor. Dá para viver sob aparências de harmonia? Sim, muita gente faz essa escolha, e sacrifica a própria vida à causa. Resolve? Tenho dúvidas.
Talvez fosse mais interessante as pessoas se perguntarem como podem ser os pais mais justos, responsáveis, gentis e apoiadores na medida do possível com a criança que inadvertidamente fizeram vir ao mundo. Trata-se de uma questão de parentalidade responsável, não de conjugalidade forçada. Faz sentido, caro leitor?