ChatGPT: precisamos temê-lo?

Medo do ChatGPT? Pergunte a ele se é preciso temê-lo… Ou ele seria suspeito para responder? A semente da inteligência artificial foi plantada há mais de 200 anos; entenda

Há mais de duzentos anos a civilização ocidental enveredou por um processo intenso de racionalização. Aquilo que chamamos de ciência é uma espécie de sistematização do uso da razão humana. Não faria sentido acreditar que naquela época tenhamos descoberto os poderes ocultos de uma capacidade humana de raciocinar. Como se esses poderes tivessem permanecido ocultos por toda a história anterior da humanidade.

Continua após publicidade

O que ocorreu, na verdade, foi a promoção de um uso sistemático da razão. A definição de um processo que permitia um uso intensivo de nossa capacidade de pensar. Na prática, portanto, não se trata de uma descoberta nova e sim de um uso que se tornou intensivo. Por isso, a ciência pode ser definida como uma forma específica de usar a capacidade humana da razão. Apesar das discussões que possam existir sobre o que a ciência realiza, não parece razoável suspeitar que não se trate de uma forma humana ritualizada em etapas específicas, articuladas entre si.

Isso significa que a novidade se encontra no uso dessa capacidade e não propriamente em uma invenção ou na descoberta de algo inteiramente novo. O modo como passamos a usar a racionalidade é que se tornou o que chamamos de ciência. Basicamente, a novidade é a intensidade no uso da razão, no modo como se passou a articular a atividade racional de um ser humano com a de outro.

Isso permitiu, por exemplo, relações de continuidade em que o que um raciocinador já fez serve de base para o que outro raciocinador fará. Ou seja, se estabeleceram relações de continuidade no trabalho da razão. Poderíamos dizer que se inaugurou uma fábrica racional, de tal maneira que o processo de descobertas e inovações se tornou possível em uma grande esteira produtiva.

Medo do ChatGPT

Nesse momento, no início do Século XXI, estamos receosos com as realizações da inteligência artificial. Entendo que essa forma de inteligência é um arranjo daquele mesmo sistema da racionalidade que inauguramos há mais de 200 anos atrás. Ou seja, a inteligência artificial atual é a fruta madura do pé da razão, que regamos com carinho há mais de dois séculos. Não parece haver aqui nenhuma grande ruptura e sim o amadurecimento gradual de algo cultivado por muito tempo.

Continua após publicidade

Se é mesmo assim, porque deveríamos ter receio dessa fruta madura? A planta da qual ela é a manifestação, está plantada nos nossos pomares há muito tempo e não suspeitamos que havia nada de errado com ela – mesmo depois de mais de 200 anos de cultivo. Então, por que deveríamos ter receio? Será que a fruta nos permite ver que há algo de profundamente errado com a totalidade de nossa plantação de racionalidade? Será que, pelo contrário, se trata apenas de um receio infundado que logo será superado pelos novos e insuspeitados benefícios que poderemos retirar dessa nova fruta?

O receio com relação à inteligência artificial é apenas o velho medo conservador diante de novidades insuspeitadas?  Será que isso apenas ilustra o fato de que não estamos devidamente preparados para absorver rapidamente a evolução de nossas próprias criações? Ou será que esse temor expressa a percepção de erros cometidos no passado por ocasião da criação do sistema intenso de racionalização – que chamamos de ciência? Somos apenas seres medrosos ou cometemos pecados ainda não devidamente revelados no passado e que agora vêm nos assombrar? Vou fazer essa pergunta ao ChatGPT! Ou seria ele suspeito para me responder?

Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie

Continua após publicidade