Por Aurea Caetano
A cada ano que se inicia somos chamados a elaborar novos projetos e estabelecer novas metas. A mudança de ano no calendário parece nos obrigar a uma mudança de vida, para o bem e para o mal; traz questionamentos acerca do rumo que damos à nossa história e a respeito do sentido que a ela imprimimos. Nos impele a um certo distanciamento, mesmo que fugaz ou momentâneo, espécie de desdobramento interno, a partir do qual podemos nos examinar, nos ver ou rever. Fazer uma espécie de inventários de nós mesmos, um histórico de nossos conseguimentos, de nossas conquistas, escolhendo ou decidindo o que queremos para o próximo ano, ou para o resto da vida, e o que não queremos mais, o que desejamos deixar para trás, não levar ou carregar daqui em diante.
Período de questionamentos, exames de consciência, elaboração de promessas de ano novo que poderão ou não ser realizadas. Em seus aspectos positivos, a possibilidade de parar por alguns momentos e refletir a respeito da vida de forma mais determinada e objetiva, pode ser marco importante. A partir deste ponto, ou deste momento, estabelecido em função de um calendário universal, que rege o coletivo, a vida vai mudar, não apenas a minha, mas a das pessoas com as quais me relaciono.
As comemorações que acompanham a passagem de um ano a outro nos exortam a uma vivência de alegria e esperança, a partir deste momento, tudo poderá mudar, tudo será diferente. Apostas são permitidas, fichas são colocadas, expectativas criadas: a vida será outra. Roupas brancas, entre nós, fogos de artifício, espocar de bebidas, explosões permitidas e controladas que marcam e comemoram uma passagem.
Mas será que de fato fazemos uma passagem, ou o que seria a verdadeira passagem? Não estaremos nós a cada dia, ou a cada momento, fazendo passagens? Não deveríamos nos comprometer a cada momento com o que realmente importa?
A mudança de ano no calendário provoca uma acentuação, uma ênfase nesse processo que deveria ser movimento constante, mas que é muitas vezes postergado e vivido de forma automática e coletiva, não de forma consciente e individual. Onde fica a inteireza e subjetividade de cada um, estamos mesmo comprometidos com nossa verdadeira crença? “A cada dia basta o seu cuidado”, afirma uma passagem do “Sermão da Montanha” e se não cuidarmos de nossos dias como momentos que realmente importam, momentos plenos de possibilidades, de capacidade de transformação, não estaremos cuidando verdadeiramente de nossas vidas. Corremos o risco de postergar as transformações necessárias a uma vivência mais plena, mais verdadeira esperando o calendário oficial, coletivo, de passagem.
Qual a passagem que faço a cada momento, a cada dia? Como cuido de mim, aqui e agora? É no momento presente que posso fazer diferente.
Feliz ano novo!