por Patricia Gebrim
Outro dia, caminhando pelo parque, passei ao lado de dois homens. Bonés na cabeça, passo rápido, beiravam os 40 anos e conversavam em um tom de voz que tornava impossível não ouvir o que diziam.
Já não se fazem mulheres como antigamente!
Disse um deles em um tom verdadeiramente saudoso, enquanto o outro olhou na minha direção visivelmente incomodado, talvez temeroso que eu os acusasse de machismo e os atasse ao poste de alongamento para uma sessão de chibatadas (as mulheres andam assim ultimamente).
Não fiz isso. Na verdade a frase me fez pensar.
– Ao que será que se referiam? O que será que eles queriam dizer com “mulheres de antigamente”?
As mais feministas talvez explicassem a frase discursando de forma exaltada sobre submissão, sobre mulheres que esperavam seus homens com o jantar sobre a mesa e chinelos prontos a serem acomodados por elas nos exaustos pés masculinos. Ok, seria uma interpretação possível, afinal o mundo, enquanto realidade objetiva, não existe. Tudo depende de nossa interpretação do percebido.
Assim sendo, sinto-me livre para interpretar aquelas palavras à minha maneira. Tenho escolhido, em minha vida, interpretar o mundo da forma que me faz sentir melhor. Encontro nisso uma liberdade deliciosa, difícil de ser explicada. Sugiro que experimentem, nem que só por um dia, interpretar as palavras e atitudes das pessoas da melhor maneira, sem esperar o tempo todo um pretexto, uma sílaba mal colocada, uma inflexão de voz mais acentuada, para confirmar a sua crença de que as pessoas na verdade desejam intencionalmente ferir ou magoar você.
Mas voltando ao assunto, “escolhi” pensar que aqueles homens estavam, na verdade, sentindo falta de algo realmente precioso, algo que tenha se perdido. Não de uma atitude submissa das mulheres, mas sim daquilo que chamo a “essência do feminino”. Desse feminino feito de virtudes como a delicadeza, a suavidade, a paciência, o perdão, a compaixão.
Nesse aspecto, concordo com eles, correndo o risco de ser eu mesma chicoteada em praça pública:
– Que saudade sinto das mulheres de antigamente, que possuíam uma conexão intensa com seu mundo interno, um mundo sagrado e misterioso que as tornava capazes de não se abater, mesmo frente ao mais assustador dos problemas. Mulheres que, de forma improvável, se mantinham centradas e confiantes, mesmo em meio às piores tempestades. Mulheres capazes de acolher cabeças aflitas em seu peito sempre transbordante e sussurrar bem baixinho: “vai ficar tudo bem”. Mulheres que davam sustentação a toda uma família através de um sorriso, de olhos que refletiam o brilho de estrelas e de uma voz que permanecia suave como veludo mesmo em meio à aspereza da vida.
Que saudade das mulheres que derramavam sua energia feminina pela casa, tornando tudo mais belo, mais cheiroso, mais aconchegante e mais amoroso.
Que pena para o mundo existirem cada vez menos mulheres assim. Que pena as mulheres estarem atualmente tão exaustas por provar-se em mil papéis a ponto de não terem energia suficiente para transbordar essa luz linda e feminina que possuem no peito, capaz de curar, elevar e transformar o mundo.
Vejo mulheres confusas, que passaram a acreditar que a essência do feminino tenha se transferido para o corpo, mulheres que diariamente se entregam a exaustivas rotinas para tentar atingir a perfeição física. Dietas malucas, exercícios além do necessário, bulimia, anorexia, cirurgias plásticas, compras compulsivas, procedimentos mil… Para quê?
Para se tornarem “mais mulheres”? Todo esse investimento absurdo na vã tentativa de se tornarem mais “femininas” e conquistarem os homens, à custa, muitas vezes, da própria alma?
Não. A alma da mulher não precisa desse arsenal todo. A alma da mulher, sua parte mais preciosa, precisa de equilíbrio, de uma vida saudável que contenha momentos de contemplação, relaxamento e descanso para manter-se viva e viçosa. A mulher precisa de espaço em sua vida para se conectar com seu mundo interno, de onde brota uma fonte sagrada de vida e cura, sem a qual o mundo se torna seco e árido.
Longe da alma feminina brota um deserto no lugar onde um jardim deveria exaltar-se em flor.
Para terminar, compartilho um trechinho que encontrei em um delicioso livro intitulado Presente do Mar, escrito por uma mulher de alma viva, Anne Morrow Lindbergh:
“… Que espetáculo de circo nós, mulheres, somos obrigadas a representar cada dia! É mais do que qualquer trapezista! Olhem bem como vivemos, correndo numa corda bamba diariamente, equilibrando uma pilha de livros na cabeça!… Essa não é uma vida de simplicidade, mas de multiplicidade, sobre a qual os sábios nos advertem. Não nos conduz à unificação, mas à fragmentação. Não nos traz o estado de graça mas destrói nossa alma.”