Como a criança percebe a passagem do tempo

A criança percebe a passagem do tempo de um modo relativista e marcada por características próprias de seus interesses; entenda

O tempo, enquanto noção cognitiva, estruturante do real e organizadora das experiências do indivíduo, tem dois tipos de apreensão: o tempo físico e o tempo vivido. O tempo físico está ligado aos esquemas temporais construídos pelo indivíduo para sua adaptação ao mundo, para a compreensão das relações entre os objetos do mundo físico, em termos de ordem, simultaneidade, sincronização, imbricação etc. O tempo físico conduz ao tempo métrico, à avaliação e medida das durações de intervalos temporais.

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O tempo vivido está conectado à duração psicológica do tempo, às percepções da pessoa em relação às durações dos movimentos, à sensação de passagem do tempo. O tempo vivido é uma coordenação interna de diferentes eventos e situações.

A consciência reflexiva do tempo, como uma experiência, sensorial, mental vai sendo adquirida ao longo do desenvolvimento. Sabe-se que o aprendizado das noções temporais está intrinsecamente ligado à ação. A noção de tempo da criança é relativista e marcada por características próprias de seus interesses. Duas operações permitem a aquisição da noção de tempo: a ordem e a duração dos acontecimentos.

Como a criança percebe a passagem do tempo

Na primeira infância, as crianças têm pouca consciência do tempo. Piaget distingue três momentos da construção da noção de tempo: tempo sensório motor; tempo intuitivo e tempo operatório.

No período sensório-motor (zero a dois anos), nos quatro primeiros meses, o tempo se dará por momentos: hora de mamar, de dormir, de tomar banho, que situam o bebê no espaço cotidiano e permite a sequência temporal antes e depois. Surgem os vestígios perceptivos, que mais tarde levarão à consciência da sucessão dos fenômenos e à noção de causalidade.

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No período pré-operatório ou intuitivo (dois a sete anos), a aquisição e o desenvolvimento da linguagem permitem o aparecimento da capacidade de representar simbolicamente o objeto, mesmo na ausência dele. Já é possível lembrar a sucessão de eventos independente da percepção atual deles. Mas, o que a criança percebe tem sempre relação com seus desejos.

Em síntese, aos dois anos surgem os primeiros sinais de compreensão da passagem do tempo, pela diferenciação do dia e da noite. Ao quatro anos começa a existir a percepção de passado e futuro, em termos do que já aconteceu e do que irá acontecer. Ao seis anos, passado e futuro são compreendidos.

No período operatório (sete a onze anos), a criança adquire a flexibilidade de pensamento, desenvolvendo a noção de reversibilidade e descentralização. As operações de tempo, sucessão e duração se integram. Surge a configuração do tempo constituída por fatores lógicos. Ao planejar suas ações com o auxílio da fala, a criança se desprende do presente e dimensiona o tempo. Constitui -se assim, uma temporalidade que flui a partir de um passado recente para um futuro que se abre como possibilidades. Habilita-se, desse modo, a envolver-se em operações temporalmente complexas.

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No período formal (onze anos em diante), diferentemente das crianças, os pré-adolescentes e adolescente têm o pensamento não necessariamente ligado a eventos concretos. Com a aquisição do pensamento abstrato e do pensamento simbólico, começam a manipular seus pensamentos de modo a permitir que esses criem possibilidades e sejam projetados em cenários futuros. Com o recurso da memória, os elementos do passado, presente e futuro são criativamente integrados.

A percepção do tempo na vida adulta

A noção de tempo, na vida adulta sofistica-se muito. Surge a integração dos aspectos subjetivos, emocionais e simbólicos do indivíduo aos componentes objetivos, lógicos e analíticos do estágio das operações formais. O pensamento do adulto se caracteriza pelo relativismo lógico e pela progressiva referência ao Eu. A mudança da lógica dos sistemas formais para a lógica dos sistemas autorreflexivos conduz à elaboração da autonomia e à experiência cada vez mais subjetiva do tempo.

O ritmo do tempo na infância e na vida adulta são diferentes

Existe um paradoxo entre o ritmo do tempo na infância e o ritmo do tempo da vida adulta. O tempo passa muito lento no início da vida: o Natal, o aniversário, as férias… demoram muito para chegar. O tempo passa muito rápido para o adulto. Como diz Mario Quintana no seu poema O Tempo: … “Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…Quando se vê, já é 6ª feira…Quando se vê, passaram 60 anos!”

O adulto de hoje tem o pensamento focado na atualidade, parece ter perdido a dimensão da duração. Sempre falta tempo, para conciliar eficiência no trabalho, na família e na vida social…Pouco ou nada de tempo para si mesmo. Observa-se a ausência do tempo do ócio, do tempo do devaneio, do tempo para a criatividade, do tempo para os vínculos, do tempo para os filhos.

Hoje, pais e mães trabalham muito e pouco é o tempo para os filhos. Crianças precisam mais que: é hora de comer, é hora de ir à escola, é hora de estudar, é hora do banho, é hora de dormir…

O tempo da criança tem ritmo diferente e sobretudo a criança precisa do tempo para brincar.

É psicóloga especializada em psicoterapia de crianças e adolescentes. Mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC e autora de vários livros, entre eles 'Pais que educam - Uma aventura inesquecível' Editora Gente.