por Angelina Garcia
– É claro que não vai chegar. Pela hora que você deixa o trabalho, nem se vier voando.
– Pode deixar, eu dou um jeito, mas não saiam sem mim.
O espetáculo tinha hora para começar e o elenco a respeitava, assim como exigia que a porta do teatro fosse fechada antes do início do espetáculo. Com razão. Desconforto e risco de perder a concentração ao flagrar na platéia o atrasadinho tropeçando em busca de um lugar.
Tranquilizaria a todos, se Carmem aceitasse sua impossibilidade de chegar a tempo, mas, não, amarrava a irmã e o grupo de amigos ao compromisso de esperá-la, pois, antes de ouvir os seus argumentos, desligava o celular e não atendia a qualquer chamada pelo telefone da empresa. Não se tratava de capricho, simplesmente não levaria em conta o que eles tinham a dizer, porque nada abalaria sua certeza de cumprir o combinado.
Não cumpriria, como de outras vezes, e ainda provocaria uma situação desagradável caso esperassem por ela, caso a deixassem para trás.
Observemos dois contextos nos quais, de maneira um pouco diferente, a expectativa em relação a nós mesmos pode nos prejudicar. Ambos mostram a dificuldade em se lidar com as evidências, pois a pessoa sente-se de tal maneira onipotente que, no momento da decisão, vê-se removendo qualquer obstáculo. Junto a isso, lidar com as evidências pressupõe escolha e, portanto, perda.
No primeiro contexto, no qual se insere Carmem, a questão é ética, relacionada às normas de comportamento social, cujo resultado também recai sobre o sujeito da ação. É claro que depois de furar vários compromissos, ele passa a ser visto como alguém em quem não se pode confiar. O grupo poderá até permitir que continue por ali, mas sem levá-lo a sério. Situação muito diferente ocorre quando se comete erro nos cálculos, ou há necessidade de se ajustar a imprevistos, circunstâncias plenamente compreensíveis.
No segundo, a questão é comprometer-se consigo mesmo e tentar responder a qualquer custo à própria expectativa. Não estamos falando daquele esforço necessário à realização dos projetos que nos são caros, mas de conquistas que nos impomos apenas porque queremos provar a nós mesmos, ou a alguém, que somos capazes. Conduzindo nossos intentos nessa direção, poderemos perder a oportunidade de identificar o que realmente queremos e que nos tornaria, de fato, satisfeitos.
Não precisamos provar coisa alguma a quem quer que seja. Pensando assim conseguiremos manter nossa expectativa dentro do plausível, aprendendo a ampliá-la à medida de nossas realizações. Não significa contentar-se com o mínimo, mas diminuir a distância entre o possível e o imaginário, até mesmo para não povoarmos esse espaço de monstros que nos impeçam de dar o passo seguinte.