por Monica Aiub
Muitas vezes associamos o estudo da lógica a algo desconectado do cotidiano.
Vemos seu uso associado a um rigor no pensamento, próprio da matemática, dos argumentos científicos e filosóficos. De fato, a lógica é imprescindível a tais áreas; necessária, mas insuficiente. Da mesma maneira, seu uso não se restringe a elas.
Em nosso cotidiano, fazemos uso das estruturas lógicas do pensar, que nos é necessária, mas também não suficiente para lidarmos com as questões do existir. Com isso quero dizer que precisamos da lógica no cotidiano, como um instrumento para refletirmos sobre nossas questões, para investigarmos a realidade, mas significa também que só ela não basta, pois muitas de nossas questões transcendem seus limites.
Quando um partilhante (paciente) chega ao consultório de filosofia clínica, como já observado em artigos anteriores (veja aqui), o primeiro passo é colocar as questões que lhe provocam a procurar a clínica. Neste momento, cabe ao filósofo clínico solicitar o contexto de tais questões, assim como pesquisar a historicidade deste partilhante, a fim de compreender como são suas formas de viver, sentir, pensar e lidar com a vida.
Entre os vários itens estudados nos eixos fundamentais do instrumental da filosofia clínica – exames categoriais, estrutura de pensamento e submodos – há vários relacionados à lógica (cf. AIUB, 2004). Nesses são observados, em especial, os modos de pensar e de expressão utilizados pela pessoa. Ao captar a estrutura do pensar do partilhante, o filósofo clínico compreende o processo de apreensão de dados das experiências do vivido, os modos de articulação dos dados e as formas através das quais a pessoa extrai suas conclusões.
Na lógica clássica, o objetivo de tais observações consiste em validar ou não as formas do raciocínio, mas na clínica, mais do que isso, o objetivo é compreender os processos, os modos de raciocinar e suas implicações em cada contexto da vida da pessoa.
Há casos em que o filósofo clínico, juntamente com o partilhante, pesquisa dados da realidade, tanto para compreendê-la, como para validar sua leitura, ou ainda para obter elementos para criar formas para lidar com as questões. A investigação é fundamental para que possamos enfrentar os problemas cotidianos, e a lógica é um instrumento básico, fundamental, para a pesquisa.
Há casos nos quais a linguagem é a grande questão. Nesses, é preciso encontrar a linguagem adequada para se expressar aquilo que se pensa. Esse pode ser um dos elementos a serem trabalhados na clínica. Novamente, lógica, investigação e expressão clara dos pensamentos.
Mas o que é expressar-se claramente?
Dependendo do contexto no qual nos encontremos, podemos fazer uso de toda lógica e gramática corretas e não seremos compreendidos. Nosso interlocutor pode ser excessivamente claro, preciso na perspectiva da lógica e da gramática, e o interpretarmos de modo completamente equivocado.
Alguns filósofos, como Wittgenstein, Austin, Searle, abordam essa questão de modo muito interessante. Wittegenstein apresenta a linguagem como um jogo, cujas regras são aprendidas ao jogar. Segundo ele, existem tantos jogos de linguagem quantas formas de vida. Mas é preciso que conheçamos cada jogo do qual participamos, pois assim como há vários e diferentes jogos de tabuleiro, ou de cartas, ou de bola e rede, da mesma maneira há diferentes jogos de linguagem com os mesmos materiais. O que diferencia os jogos ou os jogos de linguagem entre si são suas regras. Regras essas que são próprias de cada contexto, em cada tempo, em cada grupo de pessoas, etc.
Austin nos apresenta a teoria dos atos de fala, mostrando que fazemos muitas coisas ao dizer algo. Não é o caso, como pensam alguns, de afirmar: "Eu não fiz nada, eu só falei…" porque nosso dizer pode não apenas pronunciar sons, mas provocar o outro a pensar, provocar o outro a agir.
Searle nos mostra que não existe o que chamamos de literalidade na linguagem, se desconsiderarmos os contextos. Eles são fundamentais para que possamos compreender claramente os significados. Ao se referir aos contextos ele nos apresenta o conceito de background, uma espécie de "pano de fundo" que inclui nossas circunstâncias, nosso vivido, nossas crenças e… nossas formas de pensar, ou seja, nossa lógica.
Os lógicos da contemporaneidade consideram não apenas a lógica clássica, mas também as lógicas não clássicas.
O que isso significa?
Temos três princípios básicos que norteiam a lógica, desde o tempo de Aristóteles. São eles: Identidade – uma coisa é sempre igual a ela mesma; Não contradição – derivado do anterior, afirma que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo, nas mesmas condições; Terceiro excluído – complementando os outros dois: nada há entre ser e não ser, ou seja, não há meio-termo.
As lógicas não clássicas ferem um desses princípios, como por exemplo, a lógica paraconsistente, do brasileiro Newton da Costa, que aceita a contradição, ferindo o princípio da não contradição; ou as lógicas trivalente ou polivalente, que consideram o terceiro incluído.
O estudo da lógica, de modo mais amplo, considerando inclusive as lógicas não clássicas, é de fundamental importância ao filósofo clínico, conforme afirma o filósofo clínico César Mendes da Costa em seu recém-lançado livro: Filosofia Clínica, Epistemologia e Lógica. "A filosofia clínica encontra na lógica aquilo que ela é: uma métrica, um meio para mensurar a forma do discurso, distinguir as diferentes argumentações que o partilhante utiliza para se expressar, suas contradições e equívocos, enfim viabiliza uma aproximação sistematizada das formas argumentativas utilizadas em sua fala." (p. 67-68). Mais adiante afirma, sobre as lógicas não clássicas: "Considerando o cotidiano clínico, encontramos argumentações que não seguem os princípios da lógica aristotélica. Nesses contextos cabe fazer uso de outras lógicas para compreender o que se passa." (p. 73).
Se aplicarmos o que afirma o filósofo clínico em seu livro a nossos contextos cotidianos, compreenderíamos que o estudo da lógica pode ser importante não apenas para validarmos nossos argumentos, mas também para compreendermos melhor a nós mesmos e aos outros com os quais convivemos.
Referências Bibliográficas:
AIUB. M. Para entender filosofia clínica: o apaixonante exercício do filosofar. Rio de Janeiro: WAK, 2004.
ARISTÓTELES. Organom. São Paulo: EDIPRO, 2010.
AUSTIN, J. Quando dizer é fazer. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
COSTA, C. M. Filosofia Clínica, Epistemologia e Lógica. São Paulo: Filoczar, 2013.
COSTA, N. C. Ensaio sobre os fundamentos da lógica. São Paulo: HUCITEC, 2008.
SEARLE, J. Expressão e significado. São Paulo: Martins Fontes,
WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. São Paulo: Abril Cultural, 1974.