Hoje quero alertar vocês de que abordarei um tema acerca do qual só tenho perguntas sem respostas, sobram dúvidas, e muitas inquietações. Morte, cinco letras que nos lembram de que um dia todos morreremos. Geralmente não se sabe quando nem como, e cada um tem reações pessoais frente à noção de finitude. Alguns acreditam na transcendência do espírito, outros estão certos de que viemos do pó e a ele retornaremos, sem mais nem menos, há pessoas na dúvida do que significa morrer, outros possuem certezas baseadas na fé ou na ciência.
Um filme já antigo mostra uma garota de uns dez anos buscando um advogado que a defendesse para que não fosse obrigada a doar medula óssea para sua irmã. A gestação da segunda filha fora planejada para que a primeira filha tivesse uma chance maior de cura para uma condição oncológica que a afetava desde tenra idade. Foram inúmeros tratamentos ao longo de uma década, processos imbuídos de intenso sofrimento físico e emocional, e nada parecia funcionar. A doação da medula da garota gerada para esta eventualidade seria o recurso final. E aí a doadora se nega a doar, com auxílio de um advogado recorre aos tribunais para não ser forçada. Assistindo ao filme dá para empatizarmos com o desespero dos pais e também com os argumentos do advogado e da potencial doadora. A garota gravemente doente não era perguntada sobre seus sentimentos, vontades, planos. Apenas assistia ao desenrolar da contenda.
Me desculpem se perdi algum aspecto do filme, minha memória é certamente enviesada e incompleta. O epílogo é muito interessante, e se você não quer spoiler de filme velho, pare de ler agora. A menina aparentemente egoísta e insensível, ao menos aos olhos dos pais e da opinião pública, estava sendo extremamente amorosa e cheia de coragem. Sua irmã, em condição terminal, lhe implorou para simplesmente deixarem-na partir, sem mais sofrimento inútil. Ela desistira, estava serena acerca da morte, mas os pais simplesmente não conseguiam legitimar e dar apoio ao seu maior desejo. E aí que, com o auxílio da irmã, as garotas criaram secretamente uma estratégia jurídica que permitisse à mais velha simplesmente parar de sofrer.
Estado terminal
A mãe de uma amiga, senhora com mais de 90 anos, passou muito mal, foi internada, seu quadro piorou e chegou a precisar da UTI. O quadro era irreversível. A senhora teve uma parada cardiorrespiratória. Os médicos procederam às técnicas de ressuscitação, e nesta ocasião fraturaram duas costelas da paciente. Nos últimos dias de vida a paciente na UTI gemia e chorava de dor, respirar ficou ainda mais difícil, o pequeno hospital do interior não tinha médicos especializados em cuidados paliativos e nem especialistas do manejo da dor. A família se reuniu, e depois de muito refletirem, os três filhos resolveram assinar um documento em que pediam suporte à vida com a maior dignidade possível, sem tentativas heroicas desnecessárias. Não houve novos procedimentos de ressuscitação, mas houve amor, suavidade, alguns analgésicos e sedativos até a hora em que aquele corpo idoso e bem vivido se desconectasse da vida.
Acolher e festejar um bebê que começa sua jornada é tão importante quanto saber dar o apoio a quem está com a vida chegando ao limite.
Há pacientes que adorariam poder dizer adeus aos entes queridos, mas se refreiam de fazê-lo porque a família está em negação, forçando uma euforia inútil, negando desesperadamente a proximidade da morte.
Amar também pode significar um aperto de mão, um abraço apertado, choro compartilhado, sorrisos, palavras finais e muito mais. Despedir-se é uma arte dolorosa e muito bela. Leiam Por um Fio, a bela obra do oncologista Dráuzio Varella.