por Angelina Garcia
Enquanto colocava no outro a culpa pelo seu desassossego, até que sentia certo alívio, embora não saísse do lugar; mas a partir do instante em que Clarita começara a se perceber melhor e a responder pelos resultados das próprias atitudes, passou a duvidar de que pudesse dar conta de tamanha responsabilidade. Deste momento de passagem não poderia escapar; se quisesse, de fato, enfrentar um processo de mudança.
Primeiro, deveria considerar as frustrações como aprendizado, quando batesse a vontade de refazer caminhos percorridos. No máximo, poderia tirar uma lição daqui e dali e ir buscando, aos poucos, maneira mais eficaz de lidar com as novas situações. Isto implicaria, entre tantos, considerar os próprios limites e os do outro; identificar e descartar ilusões; não se deixar melindrar com opiniões a seu respeito, a ponto de deixar escapar o que pudesse vir como acréscimo; não ter medo de quebrar as suas e as demais expectativas, e dizer não, quando necessário.
Em segundo lugar, precisaria dar tempo ao tempo. Uma coisa é tomar consciência do que deve ser mudado, outra é acertar a medida. Experimentaria muito, quanto fosse necessário, porque não haveria ponto de chegada, mas sínteses a exigirem novas experimentações. Nem sempre conseguiria expressar com clareza o que lhe ia por dentro, mas continuaria tentando.
Deveria, ainda, aceitar suas contradições, a instabilidade própria de quase todo querer. Ora teria todas as certezas, ora certeza nenhuma. Procuraria, quanto possível, fazer as escolhas que pudessem lhe trazer mais prazer, além de terminar o máximo de coisas que houvesse começado.
Entenderia que, depois de tudo, por melhor que se saísse em cada etapa, nada de surpreendente estaria à sua espera do outro lado, mesmo porque nem haveria o outro lado, apenas um continuum. Como em espiral, teria a impressão de passar pelo mesmo, mas diferente.
O fruto de seu esforço talvez nem trouxesse mais a lembrança daquilo que motivou Clarita a iniciar sua busca. A mudança poderia significar apenas amansar a ira, aproximar-se dos próprios desejos, sentir-se um pouco mais livre do predador interno, esvaziar-se de culpas, de ressentimentos e, consequentemente, exercer com mais confiança o carinho que ainda tinha por si e pelo outro. Um bem-estar, um sono tranqüilo. Não é pouco.