por Cybele Russi
O que os pais nunca deveriam fazer na presença dos filhos são críticas à escola e aos professores, pois eles levam muito a sério a opinião dos pais. Fazer críticas negativas à escola e aos professores só gera insegurança nos filhos, que afinal, acreditam nas escolhas dos pais. Se o próprio pai escolhe a escola e depois critica, o que a criança não irá pensar? Que tudo o que acontece lá dentro é passível de dúvida e de questionamento, desde a segurança até o conhecimento do professor.
Esta foi uma das afirmações que fiz em meu último artigo e aproveito o ensejo para retomar o tema, até porque recebi vários e-mails me questionando a respeito.
É evidente que os pais não só podem como devem questionar todas as autoridades e instituições, até porque isto desenvolve na criança o espírito crítico e a capacidade de escolha. Acontece que no Brasil, de alguns anos para cá, criou-se o hábito de desqualificar a escola e o professor. Este, passou a ser tratado como uma praga da sociedade, virou saco de pancadas; passou a ser visto como o causador e responsável por quase tudo de errado que ocorre na vida do aluno, talvez porque seu papel vá muito além de mediador do conhecimento, pois abrange praticamente todos os níveis da vida do aluno, desde ensinar a ler e escrever até dar remédio na hora certa, pagar o lanche, ficar além do horário quando a família, literalmente, esquece o aluno na escola, examinar as orelhas, cuidar das lições, da alimentação, da educação, da postura, encaminhar para o médico, e ainda resolver questões de ordem conjugal e familiar. Ou seja, sobraram para o professor quase todas as funções que até há alguns anos eram divididas com a família.
Como a família quase já não tem mais tempo para cuidar de seus filhos, o professor acabou se assoberbando de tarefas que, na realidade, não são suas. E é aqui que se situa o ponto nevrálgico da relação família/escola, pois que, uma vez que o professor desempenha papéis que, teoricamente, não seriam seus, deveria ter igualmente, autonomia e autoridade para punir e cobrar deveres e obrigações e exigir respeito e responsabilidade. Mas não é o que ocorre na prática. Na prática ele é um chinesinho equilibrista tentando manter todos os pratinhos rodopiando no ar sem deixar que nenhum caia. Mas se por azar um dos pratinhos cai, pronto! coidato do nosso malabarista improvisado, fogueira para ele.
É verdade que o nível do ensino brasileiro caiu demais nos últimos tempos, assim como é igualmente verdade que os professores já não são tão qualificados como no passado; mas também é verdadeiro que o nível dos alunos decaiu enormemente, tanto no que diz respeito à aprendizagem como no que tange a postura e os bons modos. Mas nada disso justifica o desrespeito que se vê hoje nas salas de aula.
A tudo isso que se vê hoje, e é quase uma regra em todas as escolas, dá-se o nome de inversão de papéis. A escola perdeu seus parâmetros e a família deixou de ser o modelo ou referencial social para a criança. Professores e professoras desempenham papéis de amigos, de conselheiros, de psicólogos, de bons camaradas e de pais; fazem as vezes destes em sua ausência. Pais e mães são professores dentro de casa, acompanhando lições até a meia-noite, verificando tarefas, corrigindo cadernos, tentando aprender conteúdos que já não fazem parte de suas rotinas há muitos e muitos anos. Imobilizados pela culpa das longas e constantes ausências, são incapazes de uma atitude firme em relação à educação de seus filhos; não sabem como agir. Jogam para a escola responsabilidades que são suas, mas não admitem que a escola, personificada na pessoa do professor, exija e faça valer seus direitos. Então, quando o professor exige respeito, fica bravo, perde a paciência, abusa da autoridade e age como uma mãe nervosa e descontrolada, tome-lhe paulada.
É muito comum ouvirmos queixas de pais que afirmam que seus filhos foram humilhados e ofendidos dentro da sala pelo professor, o que por si é um absurdo inadmissível, pois queira ou não, o professor é modelo. Seja de vida, de comportamento, de postura, de educação ou seja lá do que for, ele é um modelo, um referencial para o aluno e mais ainda para a criança. E modelos, pelo menos em tese, não podem errar, e portanto, não podem perder a paciência, nem ofender, nem perder a linha.
No entanto, quando os papéis estão confusos, quando ninguém mais sabe quem é quem, e menos ainda, qual é a função social de cada um, a vida vira uma miscelânea, um vale-tudo, um bang-bang educacional com tiros e ofensas dirigidos para todos os lados, e a educação vira esta coisa que todos estão vendo hoje: um cego perdido no meio do tiroteio entre pais, escola e filhos.
O momento que vive a educação hoje é indefensável, porque não há certos nem errados. Todos estão tentando acertar, e quanto mais tentam, mais erros cometem.
É simplesmente inadmissível o comportamento da grande maioria dos alunos nas escolas brasileiras. A indisciplina, o desrespeito e o desacato ao professor virou regra nas escolas. É rara a escola que não tenha problemas de indisciplina e de desrespeito. O professor sofre constrangimentos diariamente dentro da sala de aula. E está absolutamente só nesta situação. Ele sofre constrangimentos por parte dos alunos, dos pais, da direção e da coordenadoria de ensino e qualquer palavra sua, gesto ou olhar, é suficiente para que seja ameaçado ou coagido. No entanto, espera-se que, como um santo milagroso, ele eduque e dê conta dos problemas que ninguém está conseguindo resolver.
Já que nenhuma das partes está mesmo conseguindo resolver um problema que está quase virando um assunto de ordem pública, não seria o caso de família e escola se darem as mãos de uma vez por todas e tentarem resolver juntas, em vez de uma jogar para outra culpas e responsabilidades?
A educação poderia ser comparada a uma moeda, que tem duas faces, e em cada face se pode imprimir o que se quiser, mas não dá para ter uma moeda redonda de um lado e quadrada do outro. Antes de se pensar o que se vai imprimir em cada uma das faces, é preciso que ambas estejam perfeitamente ajustadas e alinhadas. Assim deveria ser a união entre escola e família.
Educar uma criança não deveria ser algo tão complexo assim, se houvesse um mínimo de coerência entre as partes envolvidas. Ou seja: se um endossasse e referendasse a palavra do outro, a educação acabaria acontecendo, de alguma maneira. Mas quando há um tiroteio entre as partes envolvidas em que um lado desqualifica e desautoriza o outro lado, nem a melhor família, nem o melhor colégio do mundo conseguem educar ninguém, apenas porque educar exige, antes de mais nada, coerência de princípios e clareza na definição de papéis.