Por Cybele Russi
Mesmo ainda hoje, com todos os avanços da sociedade, surgidos nas últimas décadas, as pessoas ainda têm dificuldade em lidar com o divórcio. Quando não se tem filhos, as coisas parecem fluir de uma maneira mais fácil e tranqüila, mas basta ter um filho, que tudo muda de figura.
Do ponto de vista das pessoas que estão de fora, ou seja, dos não diretamente envolvidos, a pessoa que se divorcia, ou aquela que pede a separação, é vista sempre como um egoísta que só pensou em si e que não avaliou as reais conseqüências para os filhos. Quando na realidade, o processo que antecede a decisão de um divórcio é tão sofrido, tão amargamente solitário e desolador, que dificilmente alguém que não o vivenciou poderia entender.
É nos meses e nos anos que antecedem uma separação, que o indivíduo mais pensa e repensa suas questões familiares e o peso que sua decisão terá para o resto de sua vida e a para a vida dos seus filhos.
O médico e psicanalista italiano Edoardo Giusti escreveu sobre o assunto em seu livro "A Arte de Separar-se", editora Nova Fronteira, cuja leitura recomendo a todos aqueles que já se divorciaram ou estão passando por isso.
Lá, em palavras claras e extremamente humanas, ele relata todo o processo interno de dor e de sofrimento que antecede uma separação conjugal.
Mas o grande dilema existencial, que a separação impõe, é que ela envolve outras pessoas, principalmente crianças e adolescentes, que contavam com nossa presença e participação diárias para seu desenvolvimento pleno. E fatalmente, numa situação de divórcio, um dos cônjuges terá de se retirar da cena familiar. Isto, para os filhos, é o horror dos horrores. Mas não há de ser, necessariamente, tanto horror assim.
Muito do sofrimento dos filhos pode ser amenizado, se os pais tiverem um pouco de sensibilidade, de juízo e de bom senso para conduzirem, não só o processo da separação, mas toda a vida de pais divorciados. O que não pode se caracterizar para os filhos, em hipótese alguma, é o abandono. Divórcio dos pais não é e nem deverá ser abandono dos filhos.
Entretanto, nas clínicas de psicologia, de psicopedagogia, nas escolas, nas salas de aula, em toda parte onde se atendem crianças e adolescentes, o que mais se ouve são queixas de filhos que se sentem abandonados pelos pais depois do divórcio.
E por que razão isso acontece? De onde vem esse sentimento tão forte de abandono, de ter sido preterido, de ter sido esquecido, de ter sido deixado de lado? Infelizmente, isso não é uma fantasia da criança, não é uma invenção da sua cabeça. É real.
Alguns pais, tanto faz se homens ou mulheres, ficam tão deslumbrados com sua nova condição de solteiros que, de fato, acabam se esquecendo dos filhos e de que seus compromissos para com eles, são para a vida toda. É possível divorciar-se do cônjuge, mas não dos filhos. Todavia, nem todos os pais pensam assim. Então, um sofrimento enorme que poderia ser evitado, é causado pelo comportamento inadequado dos próprios pais.
Os principais fatores que costumam separar pais e filhos são:
– Envolvimento num num novo relacionamento amoroso
– Desemprego e falta de dinheiro
– Estar mal acomodado, não tendo um lugar adequado para receber os filhos
– Porque nunca teve muito jeito para lidar com crianças e adolescentes
– Grande envolvimento com o trabalho
– Constituição de uma nova família
Ou porque simplesmente usa os filhos como arma e munição para ferir ou provocar o outro, a verdade é que os filhos acabam pagando um preço muito alto pela separação dos pais. Tudo isso parecem justificativas para se esquecer do filho.
Quando nada justifica um abandono, nem o novo amor, nem o desemprego, nem a falta de dinheiro, nem a falta de lugar para ir, nem a namorada que não gosta das crianças, nada disso justifica que pais deixem seus filhos em segundo plano, ou que se sirvam deles como artilharia pesada para ferir o outro cônjuge.
É certo que não existem fórmulas prontas de felicidade. Assim como é certo que crianças e adolescentes não precisam de muito para serem felizes. Basta um pouco de sinceridade, de transparência nas relações e, principalmente, de coerência nas atitudes. Nada pode ser mais ultrajante e aviltante para um filho do que aquele velho e desgastado discurso ao telefone, uma vez por semana, do "Papai te ama tanto, mas está trabalhando muito, não vai poder vê-lo este final de semana".
Não tente levar a criança 'no bico'
Uma vez uma menina de oito anos que atendia na clínica me repetiu esse discurso, dito pelo pai ao telefone, e depois me perguntou: "Cy, será que ele pensa que sou burra?"
Não. Nossas crianças não são nada burras, nem sequer tolas. Elas percebem tudo, captam tudo, compreendem tudo. O que é dito e o que não é dito também. Do discurso e do gestual do adulto, nada lhe escapa. Portanto, tentar levar uma criança no bico, é a maior tolice e tempo perdido. Antes mesmo de pronunciarmos nossa primeira frase, ela captou a mensagem subliminar.
Por isso, se não é possível evitar a dor da separação, é bastante factível amenizá-la. Não com presentes e quinquilharias, como alguns pais e mães separados adoram fazer, na tentativa vã de comprar indulgências e diminuir sua própria culpa, mas dando-lhes honestidade, franqueza, relações abertas e arejadas, onde haja espaço para o diálogo e para a dor, de ambas as partes. Onde pais e filhos possam falar de saudades mútuas, de planos para o futuro e dos desenganos do passado.
É assim que se constróem relacionamentos verdadeiros, sejam de pais divorciados, ou de quem nunca chegou a pensar numa coisa dessas.