por Cybele Russi
Por anos e anos escola e família caminharam lado a lado sem nunca cruzarem suas linhas, respeitando seus espaços privilegiados. Mas o mundo evoluiu de forma espantosa num curtíssimo espaço de tempo e tomou rumos inimagináveis. A família se transformou e adquiriu formas e contornos impensáveis cem anos atrás. Novos modos de viver apareceram, novos conhecimentos surgiram. A ordem das coisas foi alterada. E no turbilhão das mudanças, família e escola perderam seus referenciais.
As linhas da Educação, que no passado não se cruzavam, hoje estão tão entrelaçadas que não se sabe mais o que é dever de uma e direito de outra. A escola assumiu responsabilidades que anteriormente eram da família, e exige que a família reassuma seu papel no centro da educação da criança. A família, por sua vez, não parece mais disposta a enfrentar tal responsabilidade, abrindo mão de suas prerrogativas de transmitir valores, estabelecer limites, cobrar resultados e posicionar a criança no mundo como cidadã e, principalmente, como criança.
As diferenças fundamentais que se percebem hoje na educação da criança, em relação ao que acontecia no passado são várias, mas as mais notáveis são duas: troca de papéis e falta de autoridade de pais e de professores. Estes são cobrados todo o tempo para assumir sua autoridade, mas quando ousam fazê-lo, pais e mães reagem violentamente com ameaças de punições …aos professores!
Neste momento do ano, em que famílias se agitam de um lado para outro procurando a escola ideal para seus filhos, sejam bebês de um ano, sejam adolescentes de 15, 16 anos, cabe resgatar nossos valores e repensarmos que tipo de educação realmente queremos para nossos filhos. Esta é uma questão exclusiva da família que, se possível, deve ser formulada pelo casal. Mas a escola também deveria participar do processo e ter a coragem e ousadia de dizer, nossa escola não serve para sua família, quando for este o caso. Infelizmente, isto ainda não acontece, a criança acaba indo para uma escola bonitinha e cheia de atrativos mercadológicos, e a escola acaba aceitando crianças e adolescentes que nada têm a ver com suas premissas pedagógicas.
A escolha da escola para os filhos envolve múltiplas variáveis desejáveis, e hoje vivemos uma época em que há escolas para todos os gostos e bolsos. E é neste ponto exato que eu gostaria de me deter e propor uma reflexão junto aos pais: "que tipo de escola desejamos para nossos filhos, uma vez que existem tantas, de várias linhas e tamanhos?" Penso que se conseguirmos responder apenas a esta questão, parte do problema estará resolvido.
Considerando-se que judô, natação, ballet, capoeira, culinária, tecelagem, bordado, tricot, horta, jardinagem, brinquedoteca, parquinho, etc, não são propostas educacionais, o que deve realmente ser levado em consideração na hora da escolha?
Em primeiro lugar: se a escola professa os mesmos valores filosófico-educacionais que a família, ou seja, se a escola preza e valoriza as mesmas coisas que a família, como por exemplo o conhecimento, a cultura, a religião e a formação ética da pessoa.
Este talvez seja o aspecto mais importante a ser considerado no momento de escolher uma escola. Muitas famílias matriculam seus filhos em escolas indicadas por amigos, por familiares, ou porque simpatizaram com suas orientadoras educacionais na hora da entrevista, ou porque ficaram encantadas com o espaço físico e as acomodações, ou porque a escola oferece uma infinidade de modalidades esportivas, sociais e culturais. Entretanto, estes não são bons critérios de escolha.
A escola deve, sempre que possível, falar a mesma linguagem da família, ou seja, estar em sintonia com os valores e princípios adotados pela família. Famílias mais rígidas, que prezam valores mais tradicionais e matriculam seus filhos em escolas mais liberais e abertas, fatalmente acabam tendo problemas no futuro com o comportamento dos filhos e gerando conflitos internos, pois chegará o momento em que os questionamentos virão, e tanto os valores da família como os da escola serão colocados em xeque. Por isso, é extremamente importante que escola e família estejam de acordo com a Proposta Educacional da Escola, que deve ser entregue aos pais no momento da primeira entrevista.
Proposta educacional
A Proposta Educacional é um documento redigido pela escola que contém todos os princípios e ideais que a escola defende como importantes na formação do aluno. A família deve ler e compreender claramente esse documento, pois é ele que traz as balizas da educação da criança, é nele que a escola expressa a sua filosofia educacional.
O Projeto Pedagógico também é um documento que a escola distribui no início de cada ano, mas ele se propõe a relacionar para os professores como será o fazer pedagógico, ou seja, como a Proposta Educacional irá acontecer na prática, no dia-a-dia do aluno dentro da escola, por isso, não deve ser confundido com a Proposta Educacional. Nem sempre a família tem conhecimento do Projeto Pedagógico, pois ele é um documento interno, que circula entre os membros do corpo docente e diretivo da escola e contém todo o conteúdo programático que será realizado durante o ano letivo. É no Projeto Pedagógico que aparecem conteúdos programáticos como horta, natação, jardinagem, biblioteca, dança, culinária, teatro, etc, e não na Proposta Educacional. São documentos totalmente distintos, por isso não podem ser confundidos.
Em segundo lugar: como a escola percebe e se relaciona com a família, com os membros do corpo docente, com seus funcionários e com a comunidade local? Se hoje a escola não é mais o espaço fechado onde se enviam os filhos para adquirir cultura, conhecimento acadêmico e formação religiosa, e sim uma reprodução em miniatura do mundo externo, responsável pela formação do cidadão global, é preciso que se indague como a escola se relaciona com a família, com seu corpo docente, com seus funcionários e com a sociedade.
Com todas as mudanças ocorridas na sociedade e na estrutura familiar, sabemos que hoje o papel da escola é muito mais abrangente no sentido de ouvir e de acolher a família. A maneira como se relaciona com seu corpo docente, funcionários e com a comunidade local são também aspectos que devem ser considerados, pois é nesse espaço privilegiado, onde a criança passa a maior parte de sua vida, que ela aprenderá a se relacionar socialmente e se desenvolverá como cidadão do mundo, que respeita seus pares, seus diferentes e seus semelhantes, e seu meio ambiente. Portanto, é extremamente importante que os modelos de relacionamento social sejam os melhores.
É na escola que a criança se forma como cidadã, é lá que ela compreenderá o valor da amizade, do respeito ao próximo e às suas características pessoais. É lá também que ela formará sua primeira rede de relacionamentos que, com sorte , poderá se prolongar por toda a vida.
Atualmente há escolas que se engajam muito na vida da comunidade local, nos acontecimentos do bairro, participando e contribuindo com atividades sociais de preservação do meio ambiente, com festas, bazares e outras ações sociais que beneficiam a população local. O objetivo desse envolvimento da escola com a comunidade local é não só o de desenvolver na criança e no adolescente o espírito filantrópico e o trabalho voluntário mas, principalmente, o de fazê-los perceber-se como cidadãos pertencentes a uma comunidade social que exige a participação de todos no sentido de dar e de retribuir benefícios.
Do ponto de vista da educação, estes são os pontos mais relevantes na hora da escolha de uma escola.
Como disse no início, esta é uma escolha do âmbito familiar, ou seja, não adianta acreditar que a mesma escola que é ótima para os filhos dos nossos amigos, vizinhos ou irmãos será ótima para nossos filhos. Nem mesmo a escola que foi ótima para nós um dia, talvez não seja mais para nossos filhos, porque nossos valores mudaram, nossas prioridades são outras.
Beleza, espaço físico e bons equipamentos não são garantia de boa educação. Mais importante do que tudo isso é poder confiar nas pessoas que lidam com nosso filho, é poder senti-lo feliz na hora de ir para lá, seja com que idade for e, principalmente, estarmos com a cabeça tranqüila quando ele estiver lá dentro, pois é lá que ele passará boa parte de sua infância e de sua adolescência, e nós precisamos estar certos de que lá ele receberá os mesmos ensinamentos que receberia em casa, se pudéssemos estar presentes o tempo todo.