por Roberto Goldkorn
Para qualquer pessoa atenta, o fenômeno de fortes inimizades entre pais e filhos salta aos olhos. É difícil dizer se é algo novo, ou apenas ganhou visibilidade por causa das mídias que escracham a vida pessoal aos quatro (ou mais) ventos.
Claro que o próprio Freud já se debruçava sobre essa área tão sensível das relações humanas, que os gregos imortalizaram no complexo de Édipo (Édipo mata o próprio pai e se casa com a mãe, embora não soubesse do status de ambos).
Mas o fato que me chama atenção é o ódio destrutivo que vejo cada vez mais estampado nas manchetes das mídias, onde filhos chegam a matar os pais e em alguns casos acontece o contrário.
Recentemente, uma mãe angustiada me perguntou a razão de seu único filho parecer em grande parte do tempo ser seu inimigo. Ela começou a listar tudo que fez pelo filho, criado sem o pai e com tantas dificuldades e tudo que renunciou para poder educá-lo etc … etc.
Um jovem pai me mostrou a carta de uma de suas filhas e confesso nunca em minha vida pude estar diante de tremendo ódio, tanto que ao terminar de ler, eu que pensava estar imune a essas emoções, tive vertigens, senti uma corrente de repugnância como se tivesse diante de um cadáver putrefato.
Como é difícil dar explicações para essas mães e pais, porque em grande parte dos casos a origem de tudo está tão longe, tão oculta que foge ao farol de nossa razão.
E razões, embora existam sempre para explicar algumas dessas animosidades, contra quem deveria haver só amores, aparece quando vamos investigar a linha do tempo, ou seja scripts herdados de uma vida anterior. Reconheço que muita gente pode até ameaçar de parar aqui a leitura porque não acredita nessa possibilidade. Mas seria um desperdício. Vamos em frente.
As relações entre pais e filhos são em grande parte ditadas e reguladas pela CULTURA vigente. Minha mãe me contava histórias de filhos que ameaçaram bater (ela dizia levantar a mão) contra sua mãe e Deus imediatamente entortou a mão do filho ingrato. Eu deveria ter uns três ou quatro anos e imagine o quanto ficava impressionado.
Na maioria das culturas do passado, os filhos eram uma espécie de apêndices descerebrados dos pais. "Criança não tem querer" repetia insistentemente minha mãe na década de 50, para justificar o fato de escolherem meu corte de cabelo, a roupa que deveria vestir e o que eu tinha de comer.
A cultura do passado, no que se refere às regras para educação dos filhos, era infinitamente rígida e restritiva em termos de comportamentos dos filhos. Os pais tinham (como ainda têm em algumas culturas orientais e asiáticas) poderes absolutos sobre a vida dos filhos. Isso estimulou muitos comportamentos psicopatas por parte de pais e até de mães. Como sabemos o poder costuma turbinar os desvios mentais, morais e espirituais de alguns.
Pais que cometem abusos contra os filhos que não têm como se defender, ou a quem reclamar, criam laços de sangue, ódio e ressentimentos que podem ficar armazenados na memória profunda e projetados para uma vida posterior.
Juizado de menores, conselho da criança e do adolescente, lei da palmada, mídias sociais para denunciar maus tratos, tudo isso é novo, nem sequer podia ser imaginado há cinquenta ou cem anos. E se recuarmos no tempo, vamos encontrar cenários ainda mais desregulados, mais selvagens entre pais e filhos.
Os vínculos de sangue embora importantes para encadear relações familiares que se projetam para vidas adiante, são apenas o pano de fundo para a força das emoções fortes, avassaladoras que movem as pessoas a se juntarem novamente em outros cenários e com outros scripts.
Assim pais que maltrataram filhos, os humilharam, lhes negaram seu amor, sua manta protetora, vão gerar padrões de ódio e de vingança muito poderosos. O dramático dessa situação é que embora as emoções armazenadas voltem à cena principal como turbinadoras, a memória do que as geraram, inexiste nos atores desse drama, o que causa a sempre presente perplexidade, os imensos pontos de interrogação que pairam como nuvens densas sobre a cabeça tanto de pais quanto dos filhos.
O panorama se agrava quando esses programas inconscientes renascem em uma cultura mais permissiva, onde a autoridade paterna/materna foi bastante enfraquecida, pelo avanço social. Meu pai quando brigava comigo eu chegava a urinar nas calças, hoje assisto constantemente filhos de quatro ou cinco anos reagiram com violência à tentativa dos pais de lhes colocar limites.
É claro que nem só de educação distorcida se compõem esses "carmas" parentais, as variações de scripts são inumeráveis.
Recentemente atendi a uma família, que o pai não suportava o filho, tinha ciúmes do filho com a mulher. Já o filho adorava o pai e se ressentia demais de sua atitude, de sua falta de carinho e de apoio.
Descobri que na vida passada, o rapaz havia sido amante mais jovem da mulher que agora era sua mãe, portanto rival de seu atual pai. Mas pelo lado da mãe o amor culposo da vida passada recebe o aval social, porque pode amar o jovem sem culpa, sem acusações e condenações sociais; afinal de contas, nada mais normal que uma mãe amar seu filho e querer ficar o maior tempo possível ao seu lado. As emoções e sentimentos são avivados com a presença, mas a memória dos fatos geradores se perdem no abismo da memória.
Conheci um sujeito que resolveu colocar um nome absolutamente esdrúxulo na filha. Quando perguntado por que fez isso ele respondeu: "Ela precisa aprender cedo que nesse mundo só se sofre, eu sofri e sofro muito então acho que ela tem de sofrer também para aprender, a começar com esse nome." Muitos pais fazem isso com seus filhos, punindo-os com nomes que vão estigmatizá-los por toda sua infância e juventude, mas não tem a coragem de declarar isso como esse pai que conheci há tantos anos. Em resumo, pessoas cronicamente infelizes não conseguem produzir felicidade e passá-la adiante na forma dos filhos.
Agora que você está lendo isso e se identificou em algum ponto deve estar se perguntando "OK tudo bem aceito a sua explicação, agora qual é a solução?"
É clichê, mas é solução
Não existe uma solução que sirva para todos os casos. Mas preciso dizer uma coisinha básica e que vocês vão dizer: "puxa vida isso é tão clichê". Pois é verdade (verdade que é clichê e verdade que é verdade). Mas da mesma maneira que o ódio se alimenta de ódio, o amor se alimenta de amor. Essa é a dica.
Compreendo perfeitamente que pais e filhos comuns não possuem consciência crística, não são capazes de "amar sabendo", de amar desapegadamente os "inimigos". Assim a solução é a distância. Amar quem lhe machuca, dar a outra face, devolver a dor com amor, pode até funcionar na poesia popular mas na vida real, nadinha. Entender que existe um passado sombrio e encharcado de mágoas e desejos macabros não faz parte do nosso cardápio de talentos psíquicos espirituais. Esse programa se agrava muito quando os causadores originais do programa vivem sob o mesmo teto sob a tirania de uma das partes.
Distância física e buscar compreender são as primeiras atitudes de uma das partes que ambiciona romper essas cadeias cármicas perniciosas.
Amar quem possui vínculos de sangue conosco nem sempre é fácil, mas é um antídoto poderoso para pelo menos não realimentar as correntes de ódio. Em geral isso só é possível nessas situações de ódio aflorado quando se fica distante, e se busca de verdade a reversão desse quadro.
O sofrimento que essas relações causam é um motivo suficiente para investirmos nessa "cura".
Não há saídas ideais nesses casos, dificilmente existem finais felizes como nos filmes e novelas, sem que um esforço imenso e inteligente seja feito, por um dos lados pelo menos.
Pedir ajuda é um bom começo, Mas, acima de tudo, entender que guerras e ódios entre pais e filhos não é NORMAL, é uma doença e precisa (e pode) ser curada.
O amor real, consciente, pode ser uma excelente medicina.