Como falar sobre o mal para as crianças?

O mal é um dos problemas mais difíceis da humanidade. Como contar para as crianças sobre esse lado sombrio de difícil compreensão?  

Guerras, assassinatos, epidemias, sequestros, corrupções, roubos, abusos, tragédias de muitos tipos assolam o mundo. O problema do mal é um dos mais difíceis para a humanidade. A filosofia, a teologia, a psicologia, a literatura, a mitologia, o folclore tentam lidar com a questão do mal, sem contudo, chegar a uma compreensão. Assim, não é difícil entender a dificuldade que têm os pais de explicarem para as crianças por que tantas pessoas estão sendo mortas e de modo tão brutal.  

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Os meios de comunicação trazem cenas horripilantes que as crianças presenciam com medo e fascínio. Medo porque conseguem intuir  a dor, a perda, o sofrimento das pessoas. Fascínio porque  é o inusitado, o pesadelo presentificado. Como a curiosidade, quase sem limites, é uma característica das crianças, elas querem saber o que está acontecendo e o porquê acontece.

São perguntas difíceis de responder, principalmente porque vivemos atualmente em uma cultura e uma sociedade onde  as crianças tendem a ser poupadas do conhecimento da morte e da doença. Quando morre o cachorrinho da casa, com frequência é dito para os filhos que ele foi morar com algum familiar em outra cidade distante. Até os peixinhos de aquário quando morrem são escondidos das crianças. Quando morre alguém próximo, conta-se que a pessoa virou uma estrelinha. Esconde-se a doença. Visa-se poupá-las de qualquer sofrimento.

A criança quer saber por que o mal acontece

Mas, quando a realidade se impõe, não há forma de escapar.  A criança quer saber: por  que está acontecendo a guerra? Por que estão soltando bombas em cima das pessoas? Por que a professora foi morta por um aluno? Por que entraram em uma escola e mataram as crianças? E elas esperam e precisam de respostas.

Desde o início da vida, a criança necessita de um vínculo afetivo com a mãe e pai ou substitutos, que possam funcionar como modelos de identidade.  São os valores, os princípios éticos das pessoas com as quais as crianças estabelecem os vínculos afetivos primários, que são transmitidos para elas.  É dessa maneira que se cria um fundamento para a vida moral, uma vez que a vida moral é fruto do passado e das ligações da pessoa.

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Jean Piaget, importante pesquisador do desenvolvimento humano, mostrou que na infância, a criança reconhece e segue normas somente quando respeita os pais, figuras de autoridade que as impõem e que apenas em um estágio posterior, por movimentos de cooperação entre seus pares, as regras vão se impondo per se até se alcançar a autonomia moral da adolescência em diante.

Assim, cabe aos pais responderem a essas questões de seus filhos, pois nas respostas, com certeza estarão embutidos suas percepções e julgamentos morais pessoais a respeito desses temas.  

Como responder sobre o mal para as crianças?  

As respostas  precisarão levar em conta a idade dos filhos. Para os filhos bem pequenos raramente tais questões  se colocam. É na segunda infância, a partir dos 6 anos que as respostas precisam ser bem proporcionadas. Frente à pergunta do filho, a resposta deve ser bem objetiva e curta, o que levará, com frequência a uma nova pergunta, estabelecendo-se um diálogo. Não se deve fazer para a filha e para o filho uma palestra sobre o assunto. A resposta dos pais deve levar ao conhecimento da situação, do ponto de vista deles, visando satisfazer  curiosidade e aplacar o medo. A falta do conhecimento gera fantasias mais assustadoras e catastrofistas. Dessa maneira, é importante conversar sobre o assunto, mas sempre de forma proporcional à idade do filho.

Pode ser que, hoje, na adolescência, fase na qual os filhos estão muito mais centrados em si mesmos, exista uma alienação frente aos problemas do mal no mundo. Cumpre aos pais estabelecer e manter diálogos a respeito dessas questões, pois os filhos adolescente precisam adquirir conhecimento a respeito das tragédias que rodeiam o planeta em que vivem, para começarem a construir a própria autonomia moral e passarem a julgar o que acontece.

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É psicóloga especializada em psicoterapia de crianças e adolescentes. Mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC e autora de vários livros, entre eles 'Pais que educam - Uma aventura inesquecível' Editora Gente.