Como funciona o tratamento de dependência química para casais?

Por Danilo Baltieri

Resposta: Uma vez um tratamento adequado para casais com problemas com o uso de substâncias psicoativas é instalado e a correta adesão destes casais ao dito tratamento é realmente estabelecida e mantida, as chances de uma subsequente melhora no funcionamento íntimo e social de ambos os cônjuges, como a melhora do relacionamento, a redução das repercussões negativas deste consumo para os seus filhos bem como para os demais parentes são significativas.

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De fato, o consumo de substâncias psicoativas por casais está intimamente associado com riscos de negligência e abuso dos filhos, violência intrafamiliar, infelicidade conjugal, fracasso social e laboral, dificuldades para a manutenção dos bens ou da própria subsistência.

Vários estudos que comparam filhos de pais usuários de substâncias psicoativas com filhos de pais saudáveis apontam taxas de até 10 vezes mais situações de abuso físico/negligência dos filhos pelos pais com problemas com o uso de substâncias.

Até mesmo nas situações onde apenas um dos cônjuges tem problemas com o uso de substâncias, existe alto risco de problemas emocionais, isolamento social, sintomas de ansiedade e depressão, desorganização financeira, perda da noção de limites, para todos os membros da família, inclusive as crianças e jovens e, claro, para o cônjuge não usuário.

Outrossim, filhos de pais com problemas com o uso de substâncias psicoativas estão em alto risco de desenvolver problemas emocionais e comportamentais, alguns deles amplamente nefastos. Com isso, há,  muitas vezes, dada a gravidade das repercussões negativas do uso de drogas pelos pais, a necessidade da intervenção judicial especializada, objetivando a proteção ou salvaguarda da prole.

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Os tratamentos dos problemas advindos do consumo de substâncias psicoativas devem ser sempre rigorosamente avaliados, invariavelmente conduzidos por profissionais da saúde especializados no tema, com indicações precisas e baseadas em evidências científicas de efetividade quanto ao manejo psicossocial e/ou farmacológico, em regime de ambulatório ou mesmo em regime de internação. Dito isso, é importante repisar que os tratamentos para os portadores de quadros de abuso e/ou síndrome de dependência de substâncias psicoativas são bastante variados, tendo em vista a heterogeneidade dos casos; da mesma forma, os portadores precisam ser adequadamente avaliados ao vivo e a cores por profissionais de saúde objetivando determinar a melhor fórmula terapêutica para determinado paciente, casal e situação.

Um dos manejos mais embasados cientificamente para muitos dos casais portadores de problemas com o uso de substâncias psicoativas é a terapia de orientação cognitiva e comportamental. Os usuários aprendem habilidades para evitar o consumo, driblar os sintomas da síndrome de abstinência, evitar recaídas, modificar o estilo de vida, melhorar o relacionamento intrafamiliar, reconhecer “gatilhos” que facilitam as recaídas e usos, dentre muitas outras ações.

Casais envolvidos com o consumo de substâncias psicoativas, comumente, apresentam problemas na comunicação, relacionamentos tumultuados, hostilidade e comportamentos violentos. Dados tais fatos notados frequentemente na prática clínica e nos textos médicos, os manejos psicossocial e médico especializados impõem-se de maneira incisiva.

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Alguns dos objetivos do manejo cognitivo e comportamental, bem como de outras abordagens terapêuticas correlatas, para os casais com problemas com o uso de substâncias psicoativas podem ser assim sumarizados:

a) Enfatizar a necessidade de um contrato inicial de tratamento, objetivando a maior adesão ao procedimento a ser instalado, a confiabilidade dos relatos, o esforço continuado para seguir a orientação da equipe;
b) Orientar sobre a confecção de um diário comportamental, onde todos os comportamentos e condutas relacionados ao uso de drogas e aos esforços reais para evitar o uso são descritos. Um dos objetivos do diário é identificar as situações de risco, as formas que o usuário desenvolve para evitar o consumo e possíveis falhas na adesão às recomendações fornecidas pela equipe dos profissionais da saúde especializados;
c) Identificar e desenvolver a confiança nas redes de apoio, intrínsecas e extrínsecas ao tratamento;
d) Orientar e treinar habilidades de comunicação (incluindo capacidade para ouvir e para ser ouvido), expressando claramente as opiniões e sentimentos;
e) Instruir os casais a respeito de observar e elogiar os esforços individuais e comportamentos saudáveis de cada um;
f) Estimular atividades de lazer isentas de drogas;
g) Identificar e manejar situações que possam disparar o consumo de substâncias, a fim de driblá-las;
h) Reconhecer eventos que facilitam a coesão saudável do casal;
i) Aprender a fortalecer a abstinência recíproca;
j) Melhorar a autoestima individual e do casal, além de desenvolver a empatia cognitiva;
k) Incentivar, na medida do possível, a participação do casal em grupos de mútua ajuda;
l) Se possível, estimular a realização de exames toxicológicos periódicos para detectar a veracidade de uma presumida abstinência das substâncias;
m) Identificar a necessidade do tratamento farmacológico individual.

É importante destacar que casais que abusam de substâncias psicoativas, algumas vezes, apresentam comportamentos, ideias equivocadas e rituais nocivos que precisam ser identificados e manejados, tais como:

1) O uso de substâncias tem sido a única maneira do casal estar junto e vivenciar “prazer;”
2) O casal somente sente-se “feliz” quando intoxicado;
3) O casal sente a necessidade de usar substâncias antes mesmo de conversar sobre suas intimidades ou mesmo problemas.

Dissociar estas falsas impressões, percepções e pensamentos associados ao consumo de substâncias psicoativas daquele almejado, mas temido, bem-estar e comportamento saudável não é uma tarefa fácil; no entanto, é amplamente possível.

Existem situações, entretanto, onde o casal deve ser tratado separadamente. Isso porque podem existir problemas sérios de comunicação, histórias de hostilidade e agressividade, e diferentes perspectivas que jamais serão ventiladas enquanto ambos estiverem juntos. Também, este pode ser o caso quando um dos cônjuges apresenta graves problemas psiquiátricos concomitantes ao uso de substâncias psicoativas e o outro não.

Existe, também, a possibilidade do tratamento do casal e, concomitantemente, tratamentos individuais para cada um dos cônjuges com profissionais da saúde diferentes, com o objetivo de manejos mais específicos dos quais cada um deles possa necessitar.

O importante, em qualquer situação, é a motivação do casal para a modificação comportamental e do estilo de vida. Trata-se de uma decisão extremamente saudável a busca por ajuda e tratamento especializado. Pelo menos, é um primeiro passo em direção a um comportamento mais saudável para todos.

Existem vários serviços públicos destinados ao manejo de pessoas com problemas com o uso de substâncias psicoativas. Naturalmente, o tipo e a forma do tratamento podem variar bastante, dependendo da necessidade do usuário e do casal.

Boa sorte!

Atenção!
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.