por Elisandra Vilella G. Sé
O aumento da população idosa acompanhado das mudanças nos arranjos familiares, nas formas de viver na atualidade, como a inserção da mulher no mercado de trabalho, os divórcios, os “recasamentos”, as organizações familiares, a produção independente… Tudo isso redimensionou o conceito de laço familiar e os cuidados com os mais velhos tornou-se um grande desafio para as famílias.
Independentemente de sua classe social, a pessoa sente o impacto da chegada da velhice e devido às condições de fragilidade, vulnerabilidade, dependência, aposentadoria, problemas econômicos, sociais e de saúde é fundamental o apoio familiar no que se refere às necessidades físicas, psíquicas e sociais do idoso. Portanto, é muito importante analisar o papel da família na vida do idoso e como esse percebe a mesma em relação aos cuidados, apoio e também em relação à decisão pela institucionalização, isto é, pela internação em uma casa de repouso também conhecida como asilo.
O cuidado com o idoso no núcleo familiar é atribuído ao longo da história aos descendentes. Ou seja, a família tem como responsabilidade apoiar e cuidar dos pais e avós satisfazendo suas necessidades, fornecendo assistência, principalmente quando o idoso apresenta algum comprometimento na sua autonomia e independência. Dessa forma está consolidado em nossa sociedade que é esperado da família um cuidado e amparo ao idoso. Esse cuidado é visto como um dever moral na nossa cultura. Na constituição atual e no Estatuto do Idoso consta que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. O artigo na Constituição também dispõe que a família, a sociedade e o estado têm o dever de amparar as pessoas idosas.
A Política Nacional do Idoso é considerada uma das mais avançadas do mundo, com um projeto amplo que visa atingir a melhoria da qualidade de vida dos velhos em todos os aspectos. No que se refere à institucionalização do idoso, a PNI prioriza a vida junto à família. A prioridade é que o idoso permaneça com a família na comunidade. Apesar de a legislação brasileira enfatizar os cuidados do idoso no âmbito familiar, as mudanças na configuração sociodemográfica do Brasil colocam o tema institucionalização de idosos em evidência.
No entanto, com as transformações das sociedades, principalmente urbanas industrializadas, essas atribuições vêm deixando de ser um domínio exclusivo da esfera familiar e muitas das necessidades estão sendo atendidas por organizações alheias à família, entre elas as casas de repouso, centros-dia, hospital-dia, entre outras. Assim envelhecer hoje nos arranjos familiares modernos é um grande desafio, visto que a sociedade moderna, movida pelo mundo do trabalho, não tem tempo para conviver com o idoso.
O contexto doméstico é atribulado por inúmeras tarefas e principalmente quando se trata de uma pessoa com doença crônica, dependente, e a dependência assume diferentes funções em diferentes momentos do ciclo vital. A dependência tem múltiplas causas, diferentes tipos de doenças e graus de fragilidade que causam diferentes graus de dependência funcional (realizar tarefas do dia a dia) e cognitiva (estar consciente). Sabemos que isoladamente ou em conjunto a dependência física e cognitiva do idoso propõe forte carga de exigência para os familiares. Porém, a avaliação que os familiares fazem do cuidado como algo oneroso, desgastante não depende apenas do grau de incapacidade, dependência do idoso, mas também do tipo de doença, de seu grau de cronicidade, do seu prognóstico (perspectiva de tratamento, cura), da idade do idoso e dos seus cuidadores, do grau de parentesco entre eles, dos vínculos, das relações familiares durante a trajetória de vida, das dificuldades financeiras e instrumentais acarretadas pela incapacidade do idoso. Entre as doenças que causam maior impacto para as famílias com relação ao cuidado prestado aos idosos estão os quadros de demência.
A situação de dependência e cuidado exige que os envolvidos acionem seus recursos pessoais internos, entre os quais um recurso importante está a crença sobre si mesmo, isto é, o que ele acredita que é capaz de fazer para lidar com as situações adversas. Essas crenças funcionam como mediadores cognitivos construídos a partir das avaliações e percepções que a pessoa faz da situação como um todo. O que a pessoa acredita que é capaz de realizar pelo familiar idoso é muito importante para poder organizar e executar as ações necessárias relativas ao cuidado com o idoso, determinando decisões sobre o curso da ação. São essas crenças que também ajudam a família a escolher o melhor tratamento, a adesão ao seguimento clínico, ao medicamento. O mesmo acontece com o idoso que também pode avaliar sua condição e tomar decisões sobre seu próprio estado de saúde, inclusive o emocional.
Quando uma família avalia a sua condição como sendo muito difícil de lidar com a fragilidade da saúde do idoso e não possui recursos suficientes para dar o aparato necessário ao idoso, isso pode levar a família a decidir pela institucionalização. Os fatores que levam à institucionalização variam em função da situação econômica e da região geográfica do país. Dados de pesquisa na área de geriatria e gerontologia mostram que existe uma preponderância de dificuldade financeira e problemas de saúde, assim como ausência ou dificuldade de apoio social. Existem também as pessoas que buscam a instituição por opção. A literatura ainda aponta que tem crescido a procura de instituições para pessoas cada vez mais idosas e, consequentemente, mais dependentes.
Contudo como aponta Adriana Alcântara em seu trabalho realizados com idosos institucionalizados que gerou sua dissertação de mestrado em gerontologia na Unicamp, é difícil julgar cada família, cada pessoa. Existem circunstâncias em que a família está completamente impossibilitada de assumir os seus velhos e, na falta de outras opções, vê-se obrigada a decidir pela internação em uma casa de repouso, o que não exclui o sentimento de remorso entre outros sentimentos que permeia a vida dessas famílias.
Entretanto, sabemos que a palavra asilo, instituição tem uma conotação negativa, sendo visto como um local frio, de desamparo, abandono, etc.. Como nos diz Simone de Beauvoir todos os processos patológicos aos quais a velhice está sujeita precipitam-se no interior dos asilos. E a valorização negativa é mais forte quando a decisão pela institucionalização é tomada pela família. Cada caso tem suas particularidades, cada família é um universo diferente e as respostas adaptativas do idoso e de seus familiares perante a fragilidade e a dependência podem assumir diferentes configurações. Por isso é muito difícil para a familia tomar a decisão sobre qual será o melhor cuidado a ser prestado ao idoso.
As decisões, as estratégias adaptativas que as famílias utilizam são mediadas por escolhas, recursos pessoais, valores morais, autonomia cognitiva, avaliações pessoais, experiências vivenciadas, significados subjetivos e questões sociais. Conhecer a fundo a história de cada um não é tarefa fácil e para muitas famílias a decisão pela institucionalização passa a ser um caminho seguro, um recurso, uma solução que acaba com conflitos, dificuldades, dores e sofrimentos.
Por mais que a razão muitas vezes se sobreponha à emoção, só conhecendo mesmo os motivos, necessidades e responsabilidades com relação ao cuidado da família com o idoso para compreender a sua decisão. Muitas vezes a simples questão de sobrevivência pesa muito na decisão e não dá para se ter um padrão de certo ou errado.