por Jocelem Salgado
O leite é um complemento dietético de grande valor nutritivo, por conter proteínas de boa qualidade, sais minerais, gorduras e um açúcar, a lactose, principal carboidrato presente no leite e produtos lácteos. Não é de ocorrência em plantas e é encontrado exclusivamente nas glândulas mamárias de animais em estado de lactação.
Normalmente quando ingerida através do leite e de seus derivados, a enzima lactase decompõe a lactose no intestino para formar os açúcares glicose e galactose, que são absorvidos facilmente através da parede intestinal para a corrente sanguínea. Portanto, para que possamos digerir e absorver a lactose do leite é necessário que haja essa quebra (que na ciência chamamos de hidrólise). Se essa enzima está ausente ou seus níveis são muitos baixos, a lactose não absorvida sofre fermentação por ação das bactérias intestinais, produzindo sintomas dolorosos como inflamação abdominal, cólicas, diarreia e vômito. Esses sintomas se desenvolvem comumente na adolescência ou na idade adulta, e é pouco comum em bebês e crianças. Nenhum tratamento pode melhorar a capacidade do organismo para produzir lactase, mas os sintomas podem ser controlados facilmente com a dieta.
Relata-se que uma ingestão moderada de lactose, isto é, cerca de 5g a 12g, que corresponde a cerca de 100-200ml de leite, é o suficiente para que se manifestem os sintomas, sendo, portanto, necessária a restrição absoluta desse alimento, bem como das preparações que o contenha.
A lactose não tem especial importância nutricional para os adultos, no entanto, é a mais importante fonte de energia durante o primeiro ano de vida de um ser humano, fornecendo quase a metade do consumo de energia total do recomendado para crianças.
Intolerância à lactose é um transtorno metabólico alimentar
Os transtornos alimentares envolvem deficiências metabólicas geneticamente determinadas, que afetam a capacidade da pessoa para metabolizar um componente alimentar ou aumentar a sensibilidade a algum produto químico de origem alimentar através de um padrão metabólico alterado. A intolerância à lactose é um exemplo desses transtornos que ocorre quando uma deficiência genética afeta a capacidade do individuo de metabolizar esse carboidrato presente no leite. Na intolerância à lactose a deficiência da enzima ß-galactosidase (lactase), leva a uma diminuição da capacidade de digerir a lactose, em açúcares que a compõem, glicose e galactose. Lactase é encontrada no jejuno (no inicio do intestino delgado) especificamente nos enterócitos que são as células epiteliais do intestino. Os sintomas da intolerância à lactose se desenvolvem na infância como resultado de uma progressiva redução na quantidade de enzima produzida. Os sintomas de intolerância à lactose incluem a diarreia, inchaço e dor abdominal, flatulência e náuseas.
Na imagem acima: Eventos intestinais na tolerância à lactose comparada com a intolerância. (Fonte: Tuure & Korpela, 2004)
Na maioria dos mamíferos, como os humanos, a atividade da enzima lactase diminui após o desmame, mas em alguns grupos étnicos como os caucasianos da Europa ocidental, a atividade da lactase pode persistir na vida adulta, permitindo a digestão total de grandes quantidades de lactose na dieta. A intolerância à lactose afeta muitas pessoas no mundo. Embora apenas cerca de 6 a 12% dos caucasianos sejam afetados, esse transtorno metabólico é muito mais prevalente em outros grupos étnicos e raças, afetando cerca de 60 a 90% dos gregos, árabes, judeus, afroamericanos, hispânicos e japoneses. A intolerância à lactose pode ter seu inicio em qualquer fase da vida, mas tende a piorar com o avanço da idade e muitas vezes é mais comum e mais grave entre idosos.
Restringir ou evitar a lactose
Pessoas com intolerância à lactose melhoram seus sintomas ao reduzir a quantidade de alimentos que contêm esse carboidrato, como o leite, iogurte, queijo, creme e manteiga, e a maioria toleram pequenas quantidades sem sintomas. Não obstante, algumas pessoas desenvolvem sintomas com uma diminuta quantidade de lactose. Caso o individuo não consiga tolerar a ingestão de uma pequena quantidade de lactose, existem enzimas lactase disponíveis no mercado que podem ajudar na digestão.
Evitar a lactose contida em produtos lácteos depende do grau de tolerância a esse carboidrato, que é usualmente diagnosticado clinicamente mediante o teste de tolerância à lactose (LTT, Lactose Tolerance Test). Alguns indivíduos intolerantes à lactose podem ser capazes de tolerar alguns produtos lácteos. Existem no mercado alternativas alimentares como o leite deslactosado, sendo um produto eficaz, mas o seu sabor doce tem limitado sua aceitação. Esses produtos deslactosados são geralmente obtidos mediante processos enzimáticos, onde a lactose é decomposta à glicose e galactose, como resultado se reduz a concentração de lactose nos produtos lácteos, permitindo o consumo de leite por pessoas intolerantes a esse carboidrato.
Estudos têm indicado que a tolerância à lactose aumenta quando esse carboidrato é consumido com uma refeição.
Bebidas como o iogurte ou leite fermentado pode ser uma boa recomendação em comparação com outros produtos lácteos para pessoas com intolerância à lactose, pois esses produtos contêm bactérias com atividade de lactase que digerem a lactose. O nível de lactase varia de uma marca de iogurte para outra.
Alimentos sem lactose
Existem formas deslactosadas de leite, queijo e iogurte, mas caso você não as tolere, é melhor provar os produtos de leite de soja que não tem lactose, mas fornecem muitos dos nutrientes presentes no leite de vaca.
Cuide da sua ingestão de cálcio
Os lácteos são nossa principal fonte de cálcio, o qual é importante para manter a saúde dos ossos. É importante determinar a incorporação máxima dos níveis tolerados de produtos lácteos na dieta de indivíduos intolerantes à lactose mediante o LTT. Estudos têm demonstrado que a osteoporose pode resultar da ingestão inadequada de cálcio associada ao não consumo de produtos lácteos na dieta de indivíduos intolerantes à lactose.
O objetivo principal do LTT deve ser o de determinar o nível de tolerância para cada indivíduo com esses transtornos e construir uma dieta que permita um máximo benefício e usufruto de produtos lácteos.
Quando existe um alto grau de intolerância à lactose, uma opção seria procurar incluir na dieta diária produtos de leite de soja sem lactose. Outros alimentos ricos em cálcio incluem brócolis, salmão e folhas verdes como rúcula e couve. Caso a alimentação habitual do individuo seja pobre em cálcio, um suplemento de 800 a 1200 mg ao dia é aconselhável para manter os níveis de cálcio recomendados.
Cuidados nutricionais
Alimentos não permitidos
Todos os leites in natura ou em pó de qualquer espécie e todos os produtos contendo leite (exceto o leite sem lactose), tais como sorvete, iogurte, leite condensado, queijo, leite maltado, ovomaltine, alguns cafés instantâneos e bebidas de cacau, manteiga, requeijão, etc.
Sobremesas preparadas com leite; bolos, biscoitos e misturas comerciais, maioneses com lactose, creme de leite, margarinas e molhos contendo leite, embutidos contendo sólidos de leite, sopas comerciais contendo lactose, chocolate e goma de mascar.
Observando todos os alimentos não permitidos, fica clara a importância da leitura dos rótulos dos produtos comerciais, pois muitas vezes, um produto pode parecer inofensivo para o intolerante à lactose por não ser derivado do leite, mas pode conter em sua composição a lactose. É o caso, por exemplo, de certos antibióticos, vitaminas e preparações de sais minerais, que contém em sua composição lactose.
Últimas considerações
A maioria dos adultos com intolerância à lactose pode consumir pequenas quantidades de lactose sem apresentar os sintomas, sendo que ela é mais bem tolerada quando ingerida como parte de uma refeição do que separadamente. Entretanto, em crianças recomenda-se a exclusão total de alimentos que a contenham.
Como já citado anteriormente leite e derivados tratados com enzima lactase estão disponíveis no mercado, bem como a própria enzima que pode ser adicionada ou ingerida oralmente antes de uma refeição contendo leite ou produtos lácteos.
Dependendo da extensão na qual o leite e derivados devem ser evitados, a dieta deve ser avaliada para o conteúdo de cálcio, vitamina D e riboflavina (nutrientes importantes presentes no leite). Isto é válido especialmente para crianças e mulheres.