por Elisandra Vilella G. Sé
Falar desse assunto é bastante triste e doloroso, pois se trata das atitudes mais racionais e instintivas do ser humano, eu diria dos “animais sociais” denominados homens pelos filósofos.
Não é só a violência da cidade que nos assusta, são também ações torpes de toda natureza que se caracterizam como sendo desrespeito, abuso, negligência, privação, violação, discriminação, assédio, injustiças, etc… que nos faz pensar e refletir sobre que tipo de cidadania buscamos no decorrer da existência.
Se buscarmos a dimensão dessas ações somados ao longo da vida poderia listar uma série de ações e situações que enquadra qualquer pessoa na condição de fragilidade, sem contar as que já nascem numa condição de fragilidade. Quem não se lembra da menina que foi achada num saco de lixo na Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte, dos bebês que receberam dose de morfina por uma enfermeira em uma UTI neonatal e recentemente um menino que foi encontrado numa caixa no lixo. Devemos perguntar como e quem será essa pessoa? Pessoas com personalidades frágeis que serão mais uma vez vítimas de mais e mais violência ou que irão reproduzir nos outros as agressões sofridas, ou os dois. A fragilidade muitas vezes fortalece o ser humano.
Também é possível sofrer abuso sem perceber, por não compartilhar de uma ideia sócio-psico-culturalmente construída de abuso. A vida é pautada por diversas formas de interações humanas, de entrelaçamento de emoções positivas e negativas. Com isso acabamos por enterrar no nosso inconsciente as dores, sofrimentos misturados com amor, sonhos, ideais, liberdade e felicidade. Por isso o ser humano se tornou um ser confuso, contraditório, paradoxal, ambíguo; não sabe expressar suas emoções, trabalhar os relacionamentos, dialogar, acariciar, confortar. Não se divide as emoções, a individualidade prevalece se tornando medievais no trato com os outros. Os conceitos de amor, respeito, caridade, fraternidade e felicidade ganha força no inconsciente coletivo típicos do tempo da inquisição.
E qual é o contexto de violência, abuso e maus tratos?
É o contexto das interações humanas. Se discorrer sobre essas ações de maus tratos e de abuso que uma pessoa idosa pode sofrer, é possível enumerar outras situações que a pessoa possa ter sofrido até chegar na velhice.
Existem situações que podem ocorrer com o ser humano ao longo da vida, até chegar na violência contra os idosos. Veja alguns exemplos:,
– Castigo injusto ou deboches sofridos na escola;
– Castigo em casa e apanhar no lugar de um irmão;
– Perversidades sofridas na infância e na adolescência; abuso sexual sofrido por padrasto, tio ou vizinho;
– Mulheres que apanham do marido;
– Ser passado para trás, ações de má fé;
– Assédio moral no trabalho, autoritarismo, ações coercitivas; ter que fazer escolhas sobre ameaças;
– Violação de seus pertences, abuso financeiro;
– Sofrer preconceitos, estigmas e discriminação das gerações mais novas;
– Todos os tipos de agressões físicas e mentais, até chegar o momento de enfim aposentar-se.
A pessoa poderá então se adoentar e sofrer com o abandono, solidão e negligência de filhos e parentes, fora as agressões físicas em casa ou em instituições.
O que dizer de democracia e cidadania?
Como reconhecer nossos co-específicos, seres da mesma espécie que você, com pensamentos e sentimentos iguais aos seus, ter a identificação, o entendimento, a empatia, a compreensão?
Como é ou como seria estar na pele mental de uma outra pessoa?
Já dizia Caetano Veloso “O mal é bom e o bem cruel”. Precisa-se de um estoque de plasticidade comportamental e emocional ao longo da vida. Pensar nessas questões faz grande diferença em todas nossas situações em que atuamos na vida, no âmbito da família, trabalho, lazer, etc…. Isto é, nas formas de institucionalizações da vida, porque tal pensamento tem influenciado cada vez mais o comportamento humano e descaracterizado a essência do ser humano que seria pra “ser humano”. Daí a democracia, que é um valor universal, é interpretada de acordo com visões políticas e culturais. Tudo depende da face que se olha, “ouça-se também a outra parte”.
Para reagir contra o estigma e a discriminação dos idosos, por exemplo, é necessária uma abordagem em diversos níveis, abrangendo a educação dos profissionais e trabalhadores em saúde, a provisão de serviços adequados para a assistência de pessoas idosas na comunidade e a implementação de leis para proteção dos direitos dos idosos.
No contexto do cuidado não ocorre de forma diferente de outros contextos do nosso cotidiano atual. A correria do dia-a-dia, as mudanças constantes de paradigma, a corrida atrás do emprego, do salário, a competição no trabalho, as inúmeras tarefas da vida agitada e as complexas relações de prazer, forçaram o ser humano a ser prático, racional, predominar os instintos e ao mesmo tempo precisar ser politicamente correto e não politicamente saudável, num contexto onde a dor se dissolve, tudo se apaga, deleta-se, os assuntos ficam inacabados e enterrados no fundo do mar do nosso inconsciente.
Tudo isso é muito perigoso. Por isso assistimos cada vez mais o processo de involução da sociedade caracterizado pela hostilidade, assédio moral, perseguição, violência física e mental, maus tratos, abusos de todo tipo e a toda faixa etária, não só contra idosos, mas é na velhice que se acentua.
As pessoas estão cultivando hábitos que escondem suas frustrações. Quanto à vítima, ela segue anestesiando dores, mas jamais esquece a agressão sofrida. Para essas pessoas a felicidade é ilusão e a gente canta “espera que o sol já vem…” – Renato Russo.
Abuso ao idoso
De acordo com a definição de abuso:
“O abuso ao idoso é uma única ou repetida ação, ou a falta apropriada de ação, ocorrida dentro de qualquer tipo de relacionamento, onde há a expectativa de confiança ou dependência, gerando danos, angústia, ofensa, perigo ou miséria ao idoso” (Action on Elder Abuse, 1995).
É importante ressaltar que as interações humanas não são como equação matemática, é fruto de vínculos estabelecidos com afeto, significados, simbolismo, dedicação, diálogo, entendimento e não existem cuidados prestados baseado em ameaças, negligência e maus tratos, em desinteresse.
O amor não é um método ou uma ciência, é um pré-requisito para se fazer tudo na vida, é o que dá sentido à vida e muitas vezes o que falta é um pouco de boa vontade. Parafraseando mais uma vez Renato Russo “…tem gente que machuca os outros, tem gente que não sabe amar, tem gente enganado a gente, veja nossa vida como está…”
Outra questão é quem assiste a violência, os maus tratos, o abuso e a negligência. Como fica a denúncia? A linguagem, a fala é uma ação que tende sempre a modificar um estado de coisas. Alguns casos precisam chegar mesmo no limite para serem reconhecidos e denunciados. Precisa-se que na mídia televisiva ou na internet mostre-se a hostilidade feita a uma moça por usar um vestido para sensibilizar os demais. De fato, poucas pessoas admitiriam que todas as questões pudessem ser postas em discussão. Por isso, viver é se espantar.
Aristóteles
Aristóteles considera que:
“Não se deve, em suma, examinar toda a tese, nem todo problema, só se deve fazê-lo no caso em que a dificuldade é proposta por pessoas em busca de argumentos, e não quando é um castigo o que ela requer, ou quando basta abrir os olhos. Aqueles que, por exemplo, colocam a si próprios a questão de saber se cumpre ou não honrar os deuses e amar os pais necessitam apenas de uma boa correção, e aqueles que se perguntam se a neve é branca, ou não, têm apenas de olhar’.
Toda vida social de uma comunidade arrasta consigo uma decisão, seja ela a favor ou contra a denúncia. Falar ou não falar, fazer ou não fazer. Em suma, o que mais vimos são pessoas que não sustentam nenhuma proposição, não querem romper uma comunhão social, e se opor a uma norma pode levar a problemas mais sérios. E infelizmente a norma hoje é o desrespeito, e parece que todos conhecem o valor e a força da pronúncia, ou o resultado de “abrir a boca”. E cantamos mais uma vez: “…escuridão já vi pior de endoidecer gente sã, espera que o sol já vem…”(Renato Russo).
Ser imparcial não é ser objetivo. Muitos que preferem serem neutros, meros espectadores, sem envolvimento, sem participação, não poderão um dia lutar por equidade, uma forma de se aplicar o Direito, sendo o mais próximo possível do que é justo. Quanto muito as pessoas conseguem transformar a si mesmo fazendo suas próprias e pequenas revoluções. Mas as pessoas idosas não querem mais do que outras pessoas, elas querem equidade – um direito humano (WHO, 2002).
Procedimentos para prevenir abusos contra o idoso
– Desenvolver instrumentos avaliativos para os contextos de cuidados;
– Desenvolver ações educativas para treinar informar cuidadores sobre abuso aos idosos;
– Promover mudanças políticas relacionadas com abuso aos idosos;
– Garantir a disseminação de descobertas em publicações científicas;
– Desenvolvimento de um inventário global de boas práticas;
– Mobilizar a sociedade civil para a promoção da atenção à magnitude do abuso aos idosos.