por Elisandra Vilella G. Sé
Os aspectos corporais do envelhecimento não podem ser reduzidos ao envelhecimento fisiológico, no âmbito da biologia, como algo que pode ser estudado independentemente da cultura em que vivemos. O corpo não pode ser estudado fora do contexto social. Qualquer aspecto do curso de vida, do processo de envelhecimento deve ser refletido pela vida social. Tudo é uma construção social e não é diferente com as mudanças que ocorrem com o nosso corpo.
A maneira como operamos e atuamos no mundo com nosso corpo, o que fazemos com o corpo é mediada pela cultura. A cultura é escrita sobre os corpos e nós precisamos pensar os modos particulares de como isso acontece em diferentes sociedades. Está relacionado no modo como conceituamos o envelhecimento, o curso de vida que vai além da separação corpo/mente, corpo/cultura, corpo/vida social.
O processo de vida como um todo em toda sua dimensão sofre marcas que ganham representações, definições, valores. A produção social e o significado das representações, sem dúvida variam muito de sociedade para sociedade. Por isso não se pode assumir uma consciência única e percepção social única, universal da imagem do corpo. Nossos corpos são diferentes para a visão de diferentes culturas. Diferentes imagens do corpo com o processo de envelhecimento existem em diferentes sociedades, em diferentes momentos da história.
Aparência e self
O assunto sobre a imagem do corpo chama atenção para um aspecto universal da vida humana. O corpo humano é uma matéria visível e sua visibilidade tem um importante papel na comunicação entre as pessoas, nos relacionamentos, nos papéis sociais, nos encontros da vida social. O curso de vida e o processo de envelhecimento transformam essa estrutura visível, que é o corpo humano, de muitas maneiras que podem mudar nossas percepções e valores. Isso ocorre pelo modo no qual atribuímos o nosso self, o eu, a identidade, a individualidade, o valor social referente à aparência do corpo humano. Somos seres corpóreos, vivemos num tempo e espaço. Nosso movimento através da vida depende das vicissitudes do corpo, da voz, do gesto, do toque, dos sorrisos, dos cumprimentos, etc…
De acordo com a biologia do envelhecimento, nós nascemos morrendo. A vida é um constante processo de envelhecer, lógico com fases importantes para a reprodução para dar continuidade na vida, as fases de crescimento, maturação, reprodução e declínio, são os ciclos da vida. Capacidade que compartilhamos com outras espécies. Mas só o ser humano é capaz de representar de forma simbólica e complexa as variedades dos modos de viver com esse corpo, dar uma interpretação particular do processo da vida.
A visibilidade do corpo, o lugar do corpo na comunicação, na linguagem, revela ou dá indícios sobre nossas intenções conscientes ou não. Eis a dupla capacidade de nosso corpo ver e ser visto, sendo a base para nossos julgamentos sobre o status e o valor dos outros, sobre as observações dos corpos dos outros e dos nossos corpos. O nosso corpo no tempo e no espaço nos dá a capacidade de reflexividade nas relações sociais, porque a partir do dizemos e fazemos com o corpo, permitimos aos outros construírem seus julgamentos e opiniões sobre nós mesmos. Por isso, é tão difícil às vezes ver o corpo se transformar em linhas retas, perder suas curvas, sofrer as modificações, o desgaste da vida.
Temos que considerar que as formas que o corpo adquire ao longo da vida, fazem diferença em todo o curso de vida. A forma como o corpo é decodificado culturalmente irá determinar a maneira como iremos atuar no mundo e com as pessoas. E essa dimensão cultural e social se altera também com o tempo. Por isso, o tempo confundirá os vaidosos e esclarecerá os mais velhos. No entanto, é preciso se embelezar por dentro. O tempo nos espera para nos colocarmos diante de nós mesmos.