A sociedade em que vivemos não privilegia a contemplação, mas sim, a euforia, o ruído, a fluidez cujas ações empreendidas mudam antes mesmo de se consolidarem no dia a dia.
Transitamos embebidos em ambiguidades que infernizam nossa alma, como o desejo de liberdade e da busca da individualização, que promove relações inconsistentes e absurda produção de vontades. Parece que nada mais é feito para durar.
Um ser humano sem vínculos, inseguro, tomado pela natureza liquefeita dos laços sociais, é o que de fato é produzido neste tempo pós-moderno. Assim tem que ficar correndo o tempo todo para não se ouvir, não se ver, não sentir que está sendo reconfigurado sob os princípios do consumismo, pelo uso e pelo desuso.
Contradições
São infinitas as contradições, como o desejo de apertar os laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos, desejo de relacionar-se e, contraditoriamente desconfiado, de que estar anexado pode ser perigoso. O exercício do amor pelo visto tornou-se uma benção claramente ambígua.
Relações periféricas são desfeitas quando o interesse que as mantinha, desvanece como pólen pelo ar… Compromissos e vínculos são interpretados como sinal de perigo. Vive-se com o desejo oculto da permanência mas… monitorado pela ausência.
E por ironia do destino, nessa cultura midiática, onde o sossego e o silêncio se mostram como algo proscrito, se instala uma pandemia assombrosa.
O medo que nos acompanha
O medo, companhia indissociável do homem deste tempo, agora além dos seus velhos conhecidos como a violência urbana, a perda de recursos, o medo da exclusão, de ficar para trás… tem que ser acrescido ao medo de ser contaminado, adoecer e morrer por Covid-19.
Empurrado para “dentro”, lugar onde pouco se fica, é levado a essa difícil estadia: a interioridade.
Estamos acostumados a encher todos os minutos, porque o tempo precisa ser ocupado, não importando, inclusive o conteúdo. Simplesmente preenchê-lo.
Confinamento e a ocupação do tempo
Confinado em casa, ou se estabelece um isolamento com característica fascista, regido por uma rotina exacerbada por novas empreitadas rígidas, cheias de horários, numa “produção de coisas” do acordar até a hora de dormir, afastando o vazio existencial e seus ruídos internos ou, se disponibiliza a ficar consigo, permitindo períodos de contemplação que poderão levar a uma consciência mais ampliada e mudança de direção.
Que sentido estou dando à minha vida? Essa é uma questão que não quer calar.
Essa cultura do palavreado, do falar constante sem nada dizer, uma espécie de ontologia do “ruído sem fim”, bem que poderia ser neutralizada nesse confinamento involuntário e gerar o oposto disso que seria estar verdadeiramente consigo e com o outro, uma ontologia da “escuta”, fruto da virtude do acolhimento e reconhecimento pessoal, dos que estão à minha volta e do mundo que se vive.
Desfrute o silêncio
Eu opto por desfrutar o silêncio e sentir minha sensibilidade redimida, porque vejo que tudo o que planto em mim, através de um tanto de quietude, floresce em verdade.
Ouvir o silêncio e sair mansamente da inexpressividade oportuna das superfícies e mergulhar na infinitude do profundo, é o que eu desejo a todos… de todo coração.