A temporalidade possui uma grande vantagem: a despeito de tudo o que acontece, há sempre a possibilidade contida naquilo que acontecerá. Mesmo eventos muito graves, como o que estamos vivendo agora com a pandemia, são passageiros. Temos a tendência a viver os instantes do tempo com diferentes tons de dramaticidade e, dessa maneira, uns terminam sendo mais significativos que outros – da nossa perspectiva pelo menos.
Não se trata de diluir ou colocar em uma perspectiva mais verdadeira as mortes provocadas pelo Covid 19. Não pretendo convencer você que está de luto pela morte de um ente querido que ela não é uma ocorrência difícil e muito significativa. Verificar que a existência humana – ou que a simples existência em geral não termina aqui não envolve diminuir o significado das mortes que ocorreram ou que ainda ocorrerão. A dramaticidade ou o significado verdadeiro dessas mortes não se encontra nem no sentimento dos amigos e dos parentes que sobreviveram – de um lado – nem na estatística fria e duvidosa dos números governamentais – por outro. Também não creio que o significado verdadeiro esteja em algum ponto intermediário entre o sentimento de perda provocado pela ausência definitiva e o número lançado em uma planilha. Não há intermediários entre a matemática e a psicologia do luto.
Como o tempo atua na percepção dos fatos
A despeito da ausência de uma maneira correta de vivenciar a morte dos outros que nos são próximos, o fato é que o tempo se move para frente. Perceber isso não é o mesmo que adotar uma postura de otimismo ou de tentar minimizar a perda, mas o fato é que o sentimento de luto é oscilante e o que hoje nos parece terrível, amanhã pode apenas despertar uma lembrança suave. O contrário também pode ser verdadeiro porque nós nos movemos com o tempo e vamos nos transformando em seres diferentes. O que hoje nos parecer insosso, amanhã pode nos atingir profundamente de uma maneira inesperada.
Se é assim, então não parece haver um modo justo ou preciso que nos permita uma relação acertada com nossas perdas ao longo da vida. Se o tempo passa, certamente a dramaticidade de cada momento de nossas experiências, boas ou ruins, se dilui em uma narrativa maior que chamamos de nossa vida. Mas isso não nos impede de conceder a eventos isolados um peso diferente daquele que havíamos lhe atribuído antes e alterar nossa relação e nossos sentimentos com relação a ele.
Qual é o efeito do tempo?
Então, o efeito do tempo não é exatamente o de diluir os significados graves e, com isso, amenizar o sofrimento que nos atinge. O seu efeito é o de possibilitar que nos tornemos diferentes do que somos agora. Isso de tal maneira que ao deixarmos de ser o que éramos, adquirimos a capacidade de criar um novo sentido para a totalidade do que somos. Então, o tempo é uma enorme possibilidade, uma abertura para a capacidade criativa de viver nossas vidas de maneiras ainda inimagináveis. Ele é aquilo que nos torna maleáveis a nós mesmos e que nos permite dar e retirar sentido, alterá-lo, moldá-lo enquanto nos moldamos.
Somos seres temporais aberto a um campo de infinitas possibilidades
Nós, que somos temporais, temos a possibilidade dos novos cursos d’água: aqueles que ainda não possuem um leito certo por onde devem correr, mas que dispõem da energia necessária para ir criando um na medida em que avançam. Nós, os temporais, somos uma possibilidade em aberto para o bem ou para o mal, esses valores que oscilam durante o nosso curso.