por Patricia Gebrim
No meu texto anterior (clique aqui e leia), escrevi sobre a importância da "espiritualidade". Tenho no entanto percebido, ao usar esse termo, que é muito comum ocorrerem uma série de mal entendidos.
As pessoas confundem espiritualidade com religiosidade, outras vezes misturam espiritualidade com espiritismo (doutrina baseada na crença da sobrevivência da alma e da existência de comunicação, por meio da mediunidade, entre vivos e mortos, entre os espíritos encarnados e desencarnados) e por aí vai. Por esse motivo, escrevo um pouco mais detalhadamente sobre o assunto.
Antes de mais nada, espiritualidade e religiosidade são coisas diferentes. Uma pessoa pode ser espiritual sem ser necessariamente religiosa. Não precisa frequentar uma igreja, templo ou sinagoga, não precisa seguir um conjunto de regras para se comunicar com Deus. Basta que acredite na existência de algo maior, que paire além do mundo da matéria.
As religiões deveriam, por regra, estar embasadas em uma espiritualidade profunda, no entanto nem sempre isso acontece. É possivel que uma pessoa siga uma religião sem que de fato exista uma gota de espiritualidade em sua vida. Seguir rituais apenas porque estão escritos em um livro qualquer, repetir orações decoradas sem que exista um sopro de alma em suas palavras ou pensamentos, será isso algo que possa ser chamado de espiritual?
Se você acredita ou segue uma religião, eu lhe diria:
– Não deixe de ser espiritual!
Se a sua religião lhe diz que você deve rezar, reze; mas não deixe de falar também com o Deus que mora dentro de você. Se a sua religião lhe diz para jejuar, jejue; mas preste também atenção ao que sai da sua boca. Se a sua religião o estimula a ler um livro com ensinamentos, leia; mas que palavra alguma o impeça de olhar no fundo dos olhos das pessoas que convivem com você, porque é lá, por trás das pupilas, que mora a alma, à espera de ser revelada.
Nunca deixe de buscar, em cada ser vivo, a sabedoria viva, pois essa energia grande e luminosa, chamada por muitos de Deus, mora dentro de cada pessoa, de cada animal, de cada árvore, rio, pedra ou nuvem. Deus, ou como queira chamar essa energia, está em tudo e saber disso é ser espiritual.
Não existe uma espiritualidade única, embora a espiritualidade, quando efetiva, sempre leve a um mesmo lugar, um lugar de mais harmonia, mais amor, mais respeito pelo próximo e pela vida, mais entendimento. Se algo causa desarmonia, desamor, separação; não importa o rótulo que carregue, está carente de espiritualidade. Se as religiões fossem sempre espiritualizadas de fato, nunca existiriam guerras religiosas. Não há nada menos espiritualizado do que agredir, ofender ou matar "em nome de Deus". A distorção humana tem se utilizado da religião para cometer barbáries e a nossa falta de consciência tem permitido que isso se estenda e perpetue.
Espiritualidade é um estado no qual temos a consciência de que tudo ao nosso redor, e dentro de nós, está interligado. Quando deixamos para trás a separatividade e nos sentimos conectados a tudo o que nos cerca, nos tornamos espirituais, mesmo que não sigamos nenhuma religião específica.
Como posso me tornar mais espiritual?
A espiritualidade acontece no agora. Sem passado, sem futuro. Ser espiritual e estar presente em cada momento da vida, vivendo com toda a plenitude aquele momento, seja ele qual for. Assim, se você deseja se tornar mais espiritual, não é necessário que siga regras ou rituais complicados, que acabam colocando a espiritualidade longe de você. Está tudo aqui, agora mesmo, ao seu lado, na sutil presença deste momento. Olhe para si mesmo, para o que está ao seu redor, para o planeta, para a natureza, para os seres vivos. E faça o seu melhor. É simples. Você já está deitado no berço da espiritualidade e é lá que permanecerá, sempre, quer tenha consciência disso ou não.
Encontre seu próprio caminho. Ouça sua intuição. Cada pessoa tem a sua forma espiritual de ser. Cada pessoa se conecta com o divino que tem dentro de si de uma maneira. A maior parte do que eu aprendi sobre o que é a espiritualidade vem das sensações que eu tinha quando, ainda criança, me deitava sobre um colchonete e observava o céu cheio de estrelas.
Espiritualidade é o que nos sustenta quando tudo o mais parece nos abandonar. Sabe aqueles momentos em que nos sentimos derrubados, pequenos, sem saída; quando tudo ao nosso redor parece ter se voltado assustadoramente contra nós e ainda assim algo lá dentro de nós acredita que vai ficar tudo bem? Isso é espiritualidade.
Espiritualidade é acordar e se sentir vivo, é respeitar as pessoas, é agir de maneira saudável e inclusiva. A espiritualidade se manifesta em pequenas coisas. Num ato de gentileza, na abertura para ajudar outro ser vivo, na forma como tratamos cada ser que cruza o nosso caminho. Quando no, trânsito, damos passagem a uma pessoa, sabendo que ela pode estar tão ou mais apressada do que nós; isso é espiritualidade. Quando olhamos nos olhos de uma pessoa que nos atende do outro lado do balcão, e tentamos tornar aquele pequeno encontro mais significativo, nos lembrando que aquela pessoa, como nós, tem suas tristezas, desafios e alegrias; isso é espiritualidade.
De que adianta passar o dia rezando na igreja, se depois tratamos mal as pessoas com as quais convivemos?
De que adianta decorar e repetir palavras sagradas nos templos, se em nosso dia a dia dizemos palavras ofensivas?
De que adianta cumprir dietas restritivas sugeridas por nossa religião, se para isso desrespeitamos quem preparou nosso alimento?
Perceber o outro. Honrar o outro. Olhar nos olhos das pessoas. Aprender a amar (não nascemos sabendo). Isso é espiritualidade.