por Danilo Baltieri
Resposta: A associação entre o consumo de álcool e de outras drogas com comportamentos criminosos tem sido descrita por célebres criminologistas ao longo da história.
Contudo, o tema é ainda controverso na atualidade, tendo em vista a multiplicidade de fatores sociais, psicológicos e neurobiológicos associados com a prática criminosa. De qualquer forma, é fato que uma das principais complicações advindas do consumo de substâncias psicoativas são os problemas com a Justiça. Além disso, a gravidade da dependência do álcool e de outras drogas tem sido associada com o maior risco de reincidência criminal entre homens e mulheres já condenados por crimes violentos.
Desde duas décadas passadas, pesquisas têm investigado o papel do consumo de substâncias psicoativas na perpetração de diferentes tipos de crime, principalmente aqueles contra a pessoa e contra a propriedade. Os estudos de associação, frequentemente *seccionais, não produzem uma relação de causalidade. Estudos focados no consumo de substâncias no momento do fato são bastante limitados, dadas as dificuldades inerentes à coleta desse tipo de informação de forma acurada. O valor desses estudos pode ser aumentado à medida que as vias pelas quais o consumo de substâncias conduz à perpetração do crime sejam consideradas e avaliadas. Também, visto que o consumo de substâncias e o comportamento criminoso muito amiúde iniciam na adolescência, é importante estudar esse relacionamento nessa faixa etária, com especial atenção aos comportamentos violentos.
Apesar de algumas evidências atestando a associação entre álcool/drogas e crime, toda avaliação relativa a esse relacionamento deve ser desempenhada de forma bastante cuidadosa, tendo em vista a miríade de fatores que se interpõem e se sobrepõem nessa associação. Aliado a isso, diferentes crenças não cientificamente embasadas a respeito do tema contribuem para torná-lo ainda mais complexo e de difícil direcionamento.
Na verdade, existem crimes diretamente relacionados com o consumo de bebidas e drogas, como por exemplo: dirigir embriagado e perturbação da ordem pública (quando intoxicado). Entretanto, associar causalmente um crime violento (tal como homicídio, roubo e estupro) unicamente ao consumo de bebidas ou drogas parece pouco sustentável.
Há uma relação complexa entre o consumo de substâncias psicoativas e o crime. Na verdade, o comportamento violento pode ser uma consequência esperada ou não do consumo de substâncias psicoativas. Uma pessoa pode usar tais substâncias com o objetivo de praticar atos agressivos (juridicamente conhecido como embriaguez pré-ordenada); e, por outro lado, uma pessoa pode usar substâncias sem um objetivo claro de praticar atos violentos, mas, mesmo assim, demonstrar comportamentos agressivos.
Relação entre consumo de substâncias psicoativas e atos violentos:
A grosso modo, três fatores de conexão entre uso de substâncias e prática de atos violentos ou agressivos têm sido comumente citados na literatura:
a) O próprio efeito farmacológico da substância geraria o comportamento violento;
b) O consumo da droga poderia ser aventado pelo próprio agressor como uma “desculpa” pelos seus comportamentos aberrantes e violentos;
c) Outros fatores, tais como impulsividade, baixa esquiva a danos, alta busca por novidade e sensações, favorecem tanto o consumo de bebidas ou outras substâncias quanto o comportamento violento.
Apesar das tentativas de categorizar as diversas formas de conexão entre consumo de substâncias e crime ou comportamento violento, múltiplas variáveis devem ser consideradas durante as avaliações. O comportamento agressivo associado com o consumo de substâncias tem sido muitas vezes atribuído aos efeitos farmacológicos que diminuem a inibição comportamental. Contudo, embora haja relacionamento entre uso de substâncias e violência, a maioria dos indivíduos não se torna agressiva quando intoxicada.
Uma explicação para isso, é que apesar dos efeitos farmacológicos, muitos dos indivíduos que se tornam agressivos quando intoxicados são mais predispostos a comportar-se de maneira violenta e/ou apresentam outros fatores de risco situacionais. Dentre esses fatores de risco situacionais podemos citar: “provocação” de terceiros, situações de “ameaça” real ou interpretada, “pressão do grupo” para o comportamento agressivo, “traços de personalidade”, crenças disfuncionais, transtornos mentais subjacentes e etc.
Apesar da importância dos múltiplos aspectos psicossociais e neurobiológicos na gênese do crime, o consumo inadequado de álcool e de outras drogas, seguramente, representa importante fator complicador, mas dificilmente o único causador.
Em suma, reconhece-se que o uso inadequado de álcool e de outras drogas está relacionado ao crime. De qualquer forma, esta associação nem sempre é de fácil constatação, porque além de boa parte dos estudos serem retrospectivos baseados nos relatos dos próprios agressores, outras variáveis nem sempre são incluídas nas pesquisas. No entanto, alguns estudos demonstram que, mesmo quando outras variáveis demográficas (sexo, situação socioeconômica, estado marital) e psicológicas (traços impulsivos e de personalidade) são controladas, o consumo inadequado de bebidas alcoólicas continua fortemente associado com violência física. Associação não significa necessariamente causalidade.
* Estudos seccionais ou transversais são aqueles em que, definida uma população, em um dado momento e de forma censitária (baseado em censo) ou por amostragem, retira-se informação de cada indivíduo sobre existência ou não de exposição e de agravo à saúde. É assim possível a quantificação da exposição e da doença na população, de uma forma geral ou segundo alguma característica (exposição). É ainda possível a pesquisa de associação entre exposição e agravo à saúde. A existência de associação entre exposição e doença não indica, necessariamente, a existência de relação causal.
Abaixo, recomendo livro eletrônico que pode ser de interesse para o leitor:
Baltieri, D.A. (2009). Drugs, Sex and Crime – Empirical Contributions. New York, Bentham Science Publishers. DOI: 10.2174/97816080507031090101; eISBN: 978-1-60805-070-3, 2009, ISBN: 978-1-60805-622-4