Como tratar da dependência química em morfina?

por Danilo Baltieri

"Viciei-me há seis anos em morfina. Estava tomando já na base de seis comprimidos por dia. Consegui parar, mas à base de elixir paregórico.Estou tomando dois a cada dois dias, se não os ossos doem e fico com muita depressão. Estou agindo certo?"

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Resposta: Embora as medicações opioides sejam extremamente importantes na prática médica, desde que existam indicações adequadas e precisas para a sua prescrição, elas têm grande potencial para induzir quadros de síndrome de dependência, principalmente se utilizadas com propostas recreativas.

É, portanto, consenso que “uma droga não é boa ou má por si só”. Para ser útil, o uso de uma certa droga para determinados pacientes deve ter indicações médicas precisas, prescritas por médicos especialistas, recomendadas por associações médicas internacionais e, além disso, sua manutenção no tratamento deve ser realizada por profissionais altamente habilitados na matéria.

Em um primeiro momento, quando se ouve que alguém é “viciado” em alguma medicação do tipo opioides, cria-se uma visão irreal de que essas medicações são sempre perigosas e de que ninguém deveria fazer uso das mesmas, sob pena de se tornar “viciado”. Portanto, repito que muitas das drogas opioides são extremamente úteis na prática médica, desde que adequadamente prescritas e indicadas, e desde que os pacientes que as recebam sejam corretamente acompanhados por equipe notoriamente especializada.

O principal problema em relação aos opioides é o seu uso para propostas recreativas e não para propostas terapêuticas. Isso também não significa peremptoriamente que alguns pacientes que necessitam receber essas medicações para o tratamento de quadros nosológicos específicos (quadro de doenças) não possam também desenvolver problemas, embora a chance seja menor.

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Eu tive a oportunidade, há algumas semanas aqui no Vya Estelar, de responder a uma questão sobre os problemas que o uso de medicações opioides pode provocar entre os pacientes que delas realmente necessitam por razão de algumas doenças (clique aqui e leia).

Agora, citarei apenas o uso de opioides, como a morfina, durante propostas recreativas.

Opioides lícitos e ilícitos

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Os principais opioides lícitos são: morfina, codeína, ópio, meperidina (dolantina), fentanyl, metadona, oxicodona, oximorfona, hidroxicodona, hidroximorfona. O principal opioide ilícito utilizado ao redor do mundo é a heroína.

Sintomas

Os principais sintomas após o uso dos opioides são: sedação, analgesia, pupilas contraídas (miose), sensação de cabeça leve ou vazia, prazer em baixo ventre (às vezes, sensação de orgasmo), sensação de calor, constipação intestinal, euforia, sonolência. Em situações de alta dosagem de opioides, além dos sintomas acima mencionados, podemos encontrar: depressão respiratória, prejuízo importante dos reflexos motores, hipotensão, coma e, infelizmente, a morte.

Os principais sintomas da síndrome de abstinência de opioides, naturalmente naqueles que desenvolveram dependência fisiológica, são: taquicardia, hipertensão, pupilas dilatadas (midríase), sudorese, diarreia, arrepios por todo o corpo, dores musculares, cãibras, insônia, irritabilidade, bocejos, fissura intensa, inquietação psicomotora.

Principais formas de tratamento

As principais formas de tratar dependentes químicos são: psicoterapias, grupos de mútua ajuda (Alcóolicos Anônimos, Narcóticos Anônimos), tratamento em regime de internação, tratamento em regime de ambulatório e tratamento psicofarmacológico.

A utilização de medicações para o tratamento da síndrome de dependência de opioides tem uma história antiga, visto que o ‘heroinismo’, nos Estados Unidos, foi um dos primeiros problemas sérios reconhecidos no campo das Dependências Químicas. Ao contrário de várias outras dependências químicas, o tratamento farmacológico da dependência de opioides tem papel primordial, sendo que outras formas de abordagem mostram efetividade questionável. Isso se deve aos sintomas importantes da síndrome de abstinência que podem perdurar por muito tempo.

No tratamento da dependência de opioides, deve-se levar em conta a baixa eficácia do tratamento psicoterapêutico isolado, os importantes sintomas da síndrome de abstinência, o estilo de vida caótico de boa parte dos pacientes, a dificuldade dos dependentes em suportar os sintomas relacionados à redução do consumo da droga, as tentativas frustradas de cessação do consumo, as tentativas para driblar a fissura.

Tratamento da intoxicação por opioides

A intoxicação, por si só, não leva os indivíduos a procurar tratamento médico, exceto nos casos de superdosagem ou “overdose”.

As superdosagens de opioides ocorrem em geral em indivíduos com baixa tolerância ou inexperientes, em dependentes que misturam outras drogas depressoras do sistema nervoso central (como os benzodiazepínicos, o álcool e os barbituratos), e em dependentes que erram na dose das drogas administradas ou as utilizam com purezas variáveis.

O tratamento dessa situação deve ser feito em unidades de emergência médica, visto que representa risco de vida. A famosa tríade “pupilas contraídas, depressão respiratória e coma” é sinal claro de overdose de opioides. A mortalidade é significativa em episódios de superdosagem de opioides.

Opioides: tratamento da síndrome de dependência

Existe um rápido desenvolvimento de tolerância aos opioides, ou seja, o usuário necessitará de doses cada vez maiores para obter os mesmos efeitos anteriores. Síndromes de abstinência leves ou moderadas podem ocorrer após uso regular por poucos dias.

De uma forma geral, há duas maneiras de se fazer o tratamento da s índrome de dependência:

a. Desintoxicação – que pode ser curta (até 30 dias de tratamento farmacológico) ou longa (de 30 a 90 dias de tratamento farmacológico);

b. Manutenção – cujo tempo de tratamento farmacológico varia de 6 meses a 24 meses.

Desintoxicação:

Nessa fase, podem ser utilizados os próprios fármacos abusados com retirada progressiva, drogas que produzem tolerância cruzada com o fármaco abusado, medicações que melhoram os sintomas de retirada ou drogas que afetam os mecanismos que produzem os sintomas de abstinência.

As medicações que podem ser utilizadas nessa fase, desde que os sintomas de abstinência apareçam e justifiquem o uso são: metadona, buprenorfina, clonidina.
A metadona continua sendo a droga mais administrada nos casos de síndrome de abstinência a opioides. O tratamento com metadona constitui o modelo de abordagem da dependência de opioides mais avaliado e estudado. As justificativas para o uso da metadona são: possibilidade da administração oral, a meia-vida longa, menor possibilidade de variações na concentração plasmática o que representa prevenção de sintomas de abstinência, maior aderência dos pacientes inseridos nos programas de manutenção com metadona, redução significativa do consumo de opioides não prescritos e de atividades delitivas, diminuição dos episódios de “overdose”, redução dos comportamentos de risco para doenças infectocontagiosas.

O uso da metadona em regime de ambulatório é realizado em várias partes do mundo, onde existe um sistema rigoroso para distribuição da medicação. Frequentemente, os pacientes dependentes de opioides em tratamento com metadona dirigem-se diariamente aos centros de tratamento para adquirir a medicação diretamente com um encarregado pela sua distribuição. Essa conduta é recomendável, já que se trata de droga com enorme potencial para induzir dependência, além do fato de que um dos objetivos fundamentais do tratamento é a abstinência completa de todo e qualquer opioide.

A clonidina, é eficaz na redução da sudorese, piloereção, formigamentos, náuseas, vômitos e dores musculares, sintomas clássicos da síndrome de abstinência. Entretanto, não tem qualquer ação na redução da fissura ou “craving” pelo opioide. Os resultados no tratamento da síndrome de abstinência com clonidina são controversos na literatura. A eficácia varia de 0 a 30% em tratamento em regime de ambulatório e de 50 a 60% em regime de internação.

A buprenorfina, utilizada geralmente por via sublingual para essa indicação, tem sido a droga mais promissora no manejo e tratamento da síndrome de dependência de opioides. Essa medicação (sob a forma de administração sublingual) estava disponível no Brasil até dezembro de 2004. Depois disso, por razões não plenamente conhecidas, deixou de estar disponível, o que complica muito o adequado tratamento de pacientes portadores dessa grave doença médica.
LEMBRO QUE O TRATAMENTO DOS DEPENDENTES DE opioides DEVE SER REALIZADO POR MÉDICO ESPECIALISTA.

Manutenção

Nessa fase do tratamento, o paciente portador de síndrome de dependência de opioides deve ser rigorosamente acompanhado por equipe altamente especializada por um longo período de tempo, que é bastante variável de paciente para paciente. Tratamento psicoterapêutico associado ao manejo farmacológico são ingredientes complexos e imprescindíveis nessa etapa.

Os familiares devem participar também de todo o tratamento, auxiliando o paciente na recuperação e na prevenção de recaídas.

O uso de medicações é muitas vezes inevitável nessa fase, tendo em vista que os pacientes dependentes de opioides comumente apresentam fissura tempos depois da interrupção do opioide primariamente abusado. Também, o uso de metadona tem sido o mais estudado para esse período e a necessidade de clínicas especializadas no acompanhamento diário desses pacientes é urgente.

Você está referindo problemas com o uso crônico de morfina. Seguramente, você deve procurar tratamento urgente com equipe especializada nesse campo. A medicação elixir paregórico contém laudanum (tintura de ópio) e não é pouco usada por dependentes de opioides que tentam por si mesmos driblar os sintomas da síndrome de abstinência de opioides. Infelizmente, não é um método eficaz e nem tampouco seguro de realizar o tratamento.

Você deve procurar ajuda especializada com urgência, procurando estabelecer o diagnóstico e consequentemente o tratamento. Se você for portador de síndrome de dependência de opioides, deverá cumprir com o seguimento médico de forma séria e rigorosa. Não perca mais tempo!

Abaixo, forneço recomendação de leitura sobre o tema exposto:

Baltieri DA, Strain EC, Dias JC, Scivoletto S, Malbergier A, Nicastri S, et al. [Brazilian guideline for the treatment of patients with opioids dependence syndrome]. Rev Bras Psiquiatr 2004;26(4):259-69.