Comparar atrapalha ou ajuda?

Em Psicologia, uma pergunta como a que fiz logo acima não tem resposta pronta. Tudo dependerá do contexto envolvido, e vou abordar alguns dos seus aspectos. Colocando lenha na fogueira, quem está comparando o quê com o quê e com qual propósito? Para quem é emitida a comparação e no que ela resulta?

Comparações, a grosso modo, são verbalizações que contrapõem um ou mais aspectos de um ser, objeto ou situação aos aspectos de outro ser, objeto ou situação. Exemplos seriam algo como x é melhor que y, x é parecido com y, x é pior que y, a cor de x é mais intensa que a de y, x é mais jovem que y, etc.

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As frases de comparação, em si, poderiam ter mera função descritiva, o bolo de machá é menos doce do que o bolo de chocolate com marshmellow. Ou seja, na receita um bolo leva menos açúcar do que outro. Ponto. Cabe aqui apenas se avaliar se a informação embutida na frase comparativa procede ou não. Quanto efetivamente há de açúcar em um quilo de cada bolo? Neste caso há como estabelecer objetivamente mensurações que validam, ou não, a veracidade da comparação.

Mas, e se eu, infelizmente, estivesse com Covid-19 e dissesse: “provei os dois bolos e me parecem nada doces”?  Aqui trata-se de uma frase comparativa, em que descrevo a impressão subjetiva que os dois bolos deixaram em minhas papilas gustativas, “ambos são nada doces e parecem papel! ”.

As comparações dependem de quê?

Há comparações, então, que dependem de variáveis do indivíduo que estabelece a comparação e não apenas de atributos inquestionáveis acerca do que se avalia no momento. Passada a enfermidade e recuperado o paladar, talvez eu dissesse, “agora sinto que há enormes diferenças no açúcar contido nos dois bolos, e prefiro este em comparação àquele”. Qual preferirei dependerá provavelmente de como meu paladar foi educado ao longo da vida.

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Li recentemente que gostar ou não do coentro, tempero tão usado na culinária de vários países, depende parcialmente de variações genéticas que carregamos conosco. Para alguns, uma mutação pode tornar bem desagradável o sabor e odor do coentro. Outras pessoas, sem a mutação, possuem muito mais facilidade de adorarem o tempero. Por outro lado, pessoas criadas desde que nasceram em locais nos quais o coentro é um must na cozinha provavelmente desenvolvem com maior facilidade o prazer de consumir alimentos assim condimentados. Aqui, o cruzamento de variáveis biológicas e culturais determinaria opiniões subjetivas pró ou contrárias à planta. Não há certo ou errado neste caso, tudo depende…




Peter Mayle (1939-2018), escritor britânico  

Ok, comparações podem ser objetivas ou personalíssimas, atreladas a variáveis biológicas, culturais e de história de vida. O falecido escritor inglês Peter Mayle nos oferece uma deliciosa descrição de como ele mudou abruptamente de opinião acerca da manteiga. Crescendo na Inglaterra, num contexto de privações de guerra, a manteiga sempre lhe parece uma pasta dura e sebosa, de pouco sabor, para cozinha e passar no pão ou crackers. Viajando pela primeira vez para a França, levou um susto gastronômico, a manteiga francesa lhe pareceu um alimento estupendo, de rico sabor e textura, e assim se tornou fã do que antes em nada lhe atraia.

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Neste caso, a mudança de opinião se tornou possível quando descobriu que ingredientes e formas de produção podem resultar em sabores distintos para um produto com o mesmo nome. Aqui vale salientar que opiniões podem mudar se somos expostos a novas informações, experiências e contextos. De sebo, a manteiga galgou o posto de iguaria. Precisamos nos abrir ao novo, ao diferente, ao estranho para checarmos se nossas ideias e emoções acerca de algo ou alguém se sustentam ou não à luz de outros aspectos com os quais não havíamos antes entrado em contato. Quem é fechado e rígido pode perder boas chances ao longo da vida…

Comparações: efeitos

Por fim quero falar de alguns dos efeitos de comparações. Certa vez li que uma senhora não se conformava com o quanto sua vizinha era descuidada, mantinha seu quintal imundo, as roupas no varal eram meio que pardacentas, “um horror!’, comentava com o marido. Ela dizia isso em comparação ao interior bem cuidado de seu lar. Certo dia se espantou. O quintal e as roupas da vizinha pareciam primorosos. Como podia ser? O marido lhe esclareceu: “Limpei nossa vidraça, querida.”. Precisamos nos certificar dos fundamentos de nossas impressões, ou corremos o risco de cometer injustiças com terceiros e com a nossa própria pessoa.

No consultório lido com pessoas que sofrem enormemente com as comparações que fazem a respeito de suas capacidades, recursos ou características. Meu primo comprou uma SUV, eu tenho uma perua caindo aos pedaços, sou um falido. Todas minhas amigas casando e eu encalhada aqui. Meu ex-marido já se casou de novo e eu só me dei mal.



Fazer comparações voltando-se para o seu interior é razoável    


A única comparação razoável a fazer é a longitudinal. Enxergar-se com justiça, precisão e generosidade em diferentes fases da vida, levando em conta um aspecto específico ao longo do tempo pode nos dar uma perspectiva interessante. Como eu evolui ou regredi? Quais as contribuições minhas e externas para que isso ocorresse numa ou outra direção? E mais, se eu almejo uma direção, o que poderei de concreto fazer para me aproximar do que almejo? E mais, o que eu desejo é relevante? No que isso implica? É viável? Vale a pena? É moralmente justo? Tenho recursos para tal? Claro que mais reflexões poderão ser necessárias, estou sugerindo apenas algumas.

Expressar comparações requer cuidado 

Por fim, cuidado ao expressar comparações. Os pais acostumados a comparar os erros de um filho com os acertos do outro provavelmente estão a um passo de produzir uma eterna hostilidade no seio da prole. Um professor que diz a um grupo de alunos que eles são burros, estão entre os 10% piores da classe não estará sendo educador. Esse grupo tem ido mal, então no que e como posso lhes ajudar na superação dos déficits?

Outra coisa, será que esses jovens são exclusivamente um poço de problemas? Por que se enroscaram em certos aspectos da vida? Algum não poderia ser excelente para dançar, e o outro não poderia ter talento esportivo? Comparações absolutas, extremadas, servem para anular o outro, geram sentimentos de opressiva humilhação, é assim que crescem o ódio e as fraturas interpessoais e sociais.

Comparar é um troço cheio de nuances, certamente não esgotei o tema. Ouso dizer compare se for para promover um mundo interno ou externo melhor, mais justo, criativo e preciso. E lembre, o mundo é lotado de pontos de vista, há imensas diferenças entre os indivíduos e podemos tentar promover a justiça e o crescimento em nossa vida.