por Luís César Ebraico
Outra de restaurante:
Estava, sem dúvida, lotado. Mas, a despeito da balbúrdia que detesto, deixei-me estar ali com uma amiga, bebericando e mordiscando, pedindo ora um chope para mim, ora outro para ela, ora uma porção de batatas fritas, ora uma de azeitonas, ora outro chope para mim, ora outro para ela, um para mim, outro para ela…
Certamente açodado pela avalanche de pedidos com que aquela montoeira de fregueses o acossava, o garçom que nos servia fez o que não cabia: perdeu a compostura e, exasperado a ponto de altear a voz, dirigiu-se a mim da seguinte forma:
GARÇOM (claramente irritado): — NÃO DÁ PARA O SENHOR PEDIR DE UMA VEZ O QUE O SENHOR QUER, EM LUGAR DE FICAR PEDINDO TODA HORA UMA COISA???!!!
LC: — Ô, amigo, me desculpe! Não sabia que lhe incomodava. Não se preocupe, não vai acontecer mais.
E afastou-se, com marcha firme, quase prussiana, aparentemente cheio da satisfação de se haver vingado do que lhe fizera o domingo. Continuei mordiscando, bebericando e conversando, até que, esvaziado meu copo – o de minha companheira estava ainda cheio – quis outro chope. Levantei-me, fui até o balcão, onde um dos proprietários do restaurante comandava o caixa, e dirigi-me a ele:
LC: — Eu queria mais um chope, um “garotinho” (giria carioca para chope pequeno), por favor.
PROPRIETÁRIO: — Onde está o garçom? Ele vai servi-lo!
LC (nisso, o garcom, com cara algo assustada, se aproximara do balcão e começara a ouvir a conversa): — De forma nenhuma! Seu garçom não gosta que se peçam chopes e aperitivos um de cada vez, e eu faço questão de não incomodá-lo.
PROPRIETÁRIO: — Mas, doutor…
LC (peremptório, para desespero do garcom): — Faço questão!
E, para radical desespero do garçom e profundo compungimento do dono, passei toda a noite levantando, indo ao balcão, pedindo uma batatinha, um chopinho, uma calabresa, um chopinho, uma batatinha…
Hoje em dia, quando entro naquele restaurante e esse garçom me vê, desaparece pelas entranhas da cozinha ou, quando não há escapatória, desdobra-se em rara gentileza e solicitude.
Comentários loganalíticos – psicanalíticos? Bem, como dizia Freud, via de regra, (a) as pessoas NÃO TÊM INTERESSE em contestar a validade de COMPORTAMENTOS BEM-SUCEDIDOS, por mais absurdos que sejam e (b) tentar fazer PERCEBER O ÓBVIO a alguém que NÃO O QUER PERCEBER é fazer PAPEL DE OTÁRIO.
Tornar absolutamente MALSUCEDIDO seu comportamento com pessoas das quais, afinal das contas, provém o seu sustento, deu pelo menos àquele garçom a oportunidade de se repensar.
Se tirou proveito dela não sei.