por Renato Miranda
No primeiro texto do livro Reflexões do Esporte para o Desempenho Humano (2013, editora CRV), uma coletânea de textos que escrevi para o Vya Estelar, tratei sobre o papel do atleta no esporte atual, a partir do ideário olímpico redimensionado, no sentido de extrapolar o mérito em ser o mais alto (Altius), o mais rápido (Citius) e o mais forte (Fortius) – máxima ideológica do precursor dos Jogos Olímpicos Modernos, Pierre de Cobertin.
Em resumo escrevi que o novo ideal olímpico redimensiona o mérito da vitória, mesmo não descartando sua importância, mas, sobretudo, diz respeito a algo mais abrangente e complexo. O estímulo que um atleta olímpico pode dar à sociedade vai além da formação de um campeão. Na verdade, pode extrapolar as quadras, pistas e piscinas e atingir o cidadão, no sentido de vislumbrar na prática esportiva mais uma oportunidade de promover cultura, tradição e saúde psicofísica.
Em ano olímpico (Rio, 2016), é perceptível como as várias mazelas do comportamento humano que o esporte acomoda como a desonestidade, violência, corrupção e outras ficam muitas vezes em destacada exposição midiática. Por outro lado, parece ficar em segundo plano ou quase totalmente "escondido" em algum "canto" da história os exemplos que comprovam ser possível almejar a promoção de uma cultura esportiva orientada pelo "fair play" (espírito esportivo – jogo limpo).
Portanto, creio ser um bom momento para contar, em linhas gerais e resumidamente a trajetória do atleta francês das provas de corrida de longa distância, ALAIN MIMOUN. Por ter sido a personificação do verdadeiro atleta olímpico, é importante dizer que qualquer relato superficial sobre Mimoun é uma grande injustiça.
Depois de ter participado da Segunda Guerra Mundial e ter sido ferido gravemente em combate, quando quase perdeu uma das pernas, Alain Mimoun participou dos Jogos Olímpicos de Londres em 1948. Naquela época o grande atleta das provas de 5.000, 10.000 metros e maratona era o tcheco Emil Zatopek. Este tinha o apelido de "locomotiva" pelo seu jeito peculiar de correr e seus magníficos desempenhos. Na prova de 10.000 metros nos referidos Jogos, Zatopek foi o vencedor do ouro e Mimoun ficou com a prata.
Nos anos seguintes Zatopek continuou ser o grande atleta das provas de longa distância, e mesmo Mimoun sendo um de seus maiores rivais, se tornaram amigos.
Nos jogos olímpicos de Helsinque em 1952, novamente na prova de 10.000 metros, uma disputa acirrada entre os dois amigos durou até na última volta quando Zatopek acelerou para mais uma vitória deixando Mimoun novamente em segundo. Anos mais tarde Alain Mimoun disse que quando cruzou a linha de chegada pensou: "Segundo lugar, ok! Nada mal!".
Quatro dias depois, nos mesmos Jogos Olímpicos, na corrida de 5.000 metros, lá estavam novamente os dois velhos adversários e amigos para mais uma disputa. Era a terceira disputa olímpica entre os dois. Mais uma vez Zatopek venceu!
Nos jogos olímpicos de Melbourne, em 1956, os dois atletas voltaram a ser encontrar. Era a última oportunidade de Alain Mimoun ganhar um ouro olímpico. Na prova de 10.000, Mimoun fica em 11º lugar e muitos jornalistas escreveram que ele estava velho e acabado.
Chateado com a situação Alain Mimoun, que não concordava com as severas críticas, se reuniu com membros da Federação Francesa de Atletismo e disse que queria correr a Maratona. Dirigentes franceses disseram na ocasião que ele, Mimoun, deveria estar louco. No entanto, ele sabia que essa seria sua última chance de vencer Zatopek em Jogos Olímpicos.
Destino
Alain Mimoun, à época dizia que acreditava que poderia vencer a prova mais emblemática dos Jogos Olímpicos, porque três sinais lhe diziam que esse era seu destino:
Primeiro, no dia da maratona sua filha Olympia havia nascido. Segundo, o clima estava horrível desde sua chegada em Melbourne, no entanto, no dia da maratona o dia estava ensolarado e a temperatura oscilava em torno de 38º C. Terceiro, ele iria correr com o número 13.
No início da prova Alain Mimoun impôs um ritmo alucinante o que fez com que Zatopek se desgastasse bastante. No quilômetro 35 Alain Mimoun estava em primeiro e Zatopek em sexto. Mimoun manteve o ritmo em primeiro lugar. Ao entrar no estádio olímpico, finalmente Mimoun estava a poucos metros de sua grande vitória.
Quando faltavam 300 metros para a chegada, Mimoun olhou para trás e pela primeira vez em oito anos Emil Zatopek não estava lá. Uma multidão de mais de 100 mil pessoas ovacionou Alain Mimoun e ele em suas próprias palavras, disse certa vez: "Era como se meus pés não tocassem o chão!"
Alain Mimoun venceu a maratona e quatro minutos depois, Emil Zatopek surgiu no estádio olímpico em sexto lugar. Mimoun ficou ao lado da pista e começou a incentivar o velho amigo que acenava para o público.
Depois de Emil Zatopek cruzar a linha de chegada ele caiu de joelhos. Alain Mimoun caminhou em sua direção, bateu de leve com as mãos em suas costas e disse: "Emil, pode me cumprimentar, eu sou um campeão olímpico!".
Emil Zatopek, em seguida levantou-se, com o corpo firme, colocou seu boné na cabeça, deu um beijo na face do amigo e disse: "Estou feliz por você, meu amigo!".
Alain Mimoun dizia que essa atitude de Zatopek valeu todo o ouro do mundo. Ele disse ainda: "Se Emil Zatopek não existisse, os Jogos Olímpicos não significariam nada para mim. Nem ser campeão olímpico. Mas com Zatopek… foi o destino que reservou isso para mim. Fantástico!".
Não só pelo desempenho, mas muito por seu comportamento e exemplos positivos dos valores olímpicos, Alain Mimoun se tornou um herói francês, que dá nome a dezenas de ginásios, várias ruas e praças na França.
Alain Mimoun continuou a praticar exercícios físicos mesmo depois de se aposentar e acreditava no esporte como meio de transformar as pessoas em grandes seres humanos. Ele tinha planos para vir aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, mas nos deixou em junho de 2013, aos 92 anos de idade.