por Roberto Goldkorn
Uma leitora me pediu que falasse um pouco sobre mediunidade.
Respondi que precisaria escrever um livro de mil páginas para tratar o assunto menos levianamente. Mas fiquei me sentindo culpado e resolvi tentar aqui em poucas linhas dar a essa leitora e a outros, com as mesmas dúvidas, uma visão que os estimule a pesquisar mais.
A primeira informação é: o conceito de mediunidade não pertence à doutrina espírita ou a qualquer outra religião que tenha como base o contato com o "mundo dos espíritos".
Graças à influência que as religiões afrobrasileiras e a doutrina espírita têm no Brasil, nos habituamos a entender a mediunidade como sinônimo do fenômeno de incorporação onde uma entidade espiritual "desce" no médium e se manifesta através dele.
Cresci assitindo minha tia recebendo caboclos e índios e dando recados, conselhos e fazendo previsões para a família. Para mim, durante muitos anos, mediunidade era aquilo. As entidades que "recebia" se referiam a ela como o "aparelho". Depois fui a lugares em que os médiuns eram chamados de "cavalos" e em outros de "instrumentos" sempre expressando a ideia de "empréstimo temporário do corpo físico para que uma energia inteligente o opere".
No passado a mediunidade de incorporação foi chamada de necromancia ou adivinhação pelos mortos. Até na Bíblia existe um episódio famoso onde o Rei Saul pede ajuda a uma médium necromante: "Então disse Saul a seus servos: Apontai-me uma mulher que seja médium, para que me encontre com ela e a consulte…" Samuel 28-7).
Porém, a mediunidade é essencialmente o uso do ser humano como "meio", como mediador ou intermediário entre as energias espirituais e o plano físico. Por isso, esse espectro de possibilidade é mais amplo que a mediunidade de incorporação ou afins (existem muitas formas alternativas de comunicação com o mundo espiritual, como por exemplo a psicografia cujo maior expoente no Brasil foi o médium Chico Xavier), a irradiação etc.
A definição mais abrangente de mediunidade portanto é a capacidade humana de estabelecer consciente ou inconscientemente comunicação-influência com o mundo espiritual.
Mundo espiritual
Aqui caberia também uma redefinição do que seja "mundo espiritual". Para mim mundo espiritual é um espaço-tempo habitado por energia inteligente extrafísica. Assim por exemplo uma pessoa que tem forte intuição (e que se prova verdadeira com o tempo) é médium.
Quem tem sonhos premonitórios (sonha com situações que irão se concretizar mais adiante), quem sente odores que não são químicos, quem tem visões fora do espectro humano (clarividência), quem ouve sons que não foram produzidos por meios físicos (clariaudiência), ou mesmo quem tem capacidade de usar artes divinatórias com grande grau de acerto, todos estão na categoria da mediunidade.
Nos EUA cunhou-se há algumas décadas o termo channeling, que eu gosto muito, embora a tradução literal seja péssima: *canalização. Mas o channeling é a capacidade de algumas pessoas de serem um canal de comunicação com outras dimensões.
O grande segredo desse fenômeno, no entanto, é que muito dessa comunicação ocorre não com outras dimensões exteriores e sim com extratos bem profundos da nossa própria mente!
Essa é a verdade que pouca gente sabe e quando sabe não aceita. É compreensível, pois tira bastante do glamour daqueles cujo ego se enaltece por terem sido "os escolhidos" pelo "outro lado" para serem seus porta-vozes.
Quando nas igrejas carismáticas ou pentecostais vemos pessoas em transe "falando em línguas" ou profetizando via espírito santo, o transe dos **dervixes volteadores do Oriente Médio, dos filhos de santo num terreiro sendo tocados por orixás, podemos estar diante de uma ***mediunidade intrapessoal. Digo podemos, porque não é possível distinguir entre encenação, autohipnose com ***intramediunidade ou a comunicação com o mundo "espiritual" propriamente dita.
Muitas pessoas são médiuns e nem se dão conta. Artistas, cientistas e gente comum, que uma vez ou outra "ouve uma voz interior" ou são guiados a fazer ou não fazer algo por uma intuição muito forte (não estou falando dos esquizofrênicos que escutam vozes constantemente), podem ser colocados nessa categoria. Naturalmente a intensidade da manifestação vai modificar a utilização do termo.
Conheci uma médium que materializa objetos dos mais variados e os retira de dentro de uma "almofada" feita de algodão trazido pelos consulentes. Ela faz isso diariamente há pelos menos 40 anos! Não podemos comparar a atividade mediúnica dela com uma pessoa que tem "poderosas intuições".
A maioria das crianças, por não ter o hemisfério cérebral esquerdo bem desenvolvido (responsável pela linguagem e portanto pelas regras sociais e a cultura), tem mediunidade forte. Mas isso acaba quando são ensinadas de que "não existe uma pessoinha verde em cima da árvore, ou que a vovó não falou com você, porque a vovó está morta lá com papai do céu".
A comunicação mediúnica, salvo exceções, é muito sutil e não costuma ser acusada na tela dos radares de pessoas muito "atarefadas mentalmente", ou voltadas 100% para o mundo exterior.
Como podemos ver, esse é um território nebuloso, cheio de armadilhas e apesar de ser um fenômeno milenar, ainda é pouco estudado (quem sabe se não é justamente por ser nebuloso?) e causa controvérsias (imagino os evangélicos ou carismáticos não muito alegres quando se veem colocados por mim, na mesma roda dos praticantes do candomblé ou de outras religiões místicas).
Mas não adianta chiar, a mente humana não sabe o que são essas divisões culturais criadas pelas seitas e religiões, ela é mais antiga e mais primitiva que os produtos da cultura humana. E portanto não me venham dizer que o seu transe é mais genuíno ou mais digno que o transe dos outros porque esse papo de superioridade religiosa é medieval e para mim não cola.
Por fim uma historinha que sempre conto quando alguém me pergunta como ser médium, sensitivo ou "canal".
Uma vez perguntaram para um mestre de sabedoria o que deveriam fazer para possuir poderes mediúnicos. Aí ele respondeu mineiramente: "Uai, o que é que vocês estão fazendo que não os possuem?"
* Canalização é uma tradução ruim, pois em português se refere mais a cano/encanamento que a canal. Por exemplo, vou fazer a canalização daquele córrego.
** Dervixes volteadores: são místicos muçulmanos que entram em transe fazendo uma dança onde giram, giram sem parar. Ele usam um chapéu tubular e uma saiote que gira com eles. Antigamente diziam que eles depois de girar muito, caiam em transe (também pudera, se fosse eu logo no inicio já começava a vomitar) e respondiam as perguntas dos consulentes como se fossem um oráculo. Os do Cairo ficaram mundialmente famosos.
*** Mediunidade intrapessoal ou intramediunidade é quando a energia inteligente vem da própria mente profunda do médium, mas na maioria das vezes é confundida com comunicação com o mundo espiritual.