Conheça a história e a filosofia de Shiva

por Gilberto Coutinho

Conta uma antiga tradição indiana que o Senhor Shiva sempre que decide vir à Terra toma a forma humana de um yogue errante. Shiva é a divindade que, mais do que qualquer outro deus indiano, serviu de modelo aos yogues. Segundo essa mesma tradição, Shiva realmente existiu, há milhares de anos, na forma humana de um sábio yogue. No entanto, as histórias a ele relacionadas apresentam um caráter um tanto quanto mitológico. Sua imagem encontra-se constantemente associada ao monte Kailash, no Himalaia – morada das neves –, sua principal residência e alvo de inspiração dos yogues, sadhus (ascetas virtuosos) e samnyasins (renunciantes da vida mundana).

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Shiva, o pai do Yoga, é uma das personalidades mais citadas nos Puranas (1). Acredita-se que Shiva tenha vivido um período de sua vida nu, com apenas uma fina camada de cinza recobrindo seu corpo – como vivem, ainda hoje, muitos yogues reclusos na Índia – ou como se vestiam os antigos ascetas hindus que moravam nas distantes florestas e nas cavernas do Himalaia.

Muitas vezes, Shiva é representado trajando apenas uma pele de tigre ao redor da cintura e/ou uma espécie de manta – também do mesmo material – em torno do tronco, com um de seus ombros descoberto e com algumas serpentes najas ao redor do pescoço, da cintura e dos braços, e uma lua crescente em seu longo e indisciplinado cabelo. A respeito dessa representação, há uma antiga e interessante história que conta como ele adquiriu tal aparência.


Mitologia em torno de Shiva é vasta, mas ele existiu como ser humano há milhares de anos

Certa vez, o rei dos demônios, incomodado com a sabedoria e os poderes de Shiva, enviou um dos seus súditos na forma de uma peçonhenta serpente naja para matá-lo. Antes que a serpente o mordesse, Shiva – o “Senhor de todas as Criaturas” –, agilmente, pegou-a com a mão, domou-a e a colocou como adorno ao redor de seu pescoço. Então, a serpente tornou-se sua fiel amiga e companheira. Furioso, o rei dos demônios enviou outro demônio mais feroz na forma de um terrível tigre. Ao lutar com o feroz animal, Shiva percebeu que ele não poderia ser adestrado e que precisaria matá-lo. Com a sua pele, confeccionou uma roupa para se vestir.

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Essa história mostra-nos que os momentos difíceis e de atribulações podem muito ajudar a crescer como pessoa, a compreender muitas situações e, consequentemente, tornar melhor e mais capaz; que não se deve desesperar e desanimar e, sim, procurar extrair das circunstâncias desfavoráveis algo de útil, um aprendizado ou proveito, assim como o fez Shiva. A partir desse posicionamento, é possível tornar-se mais autoconfiante, experiente, forte e sábio.

Shiva como Mahadeva é o grande deus do panteão hindu; como Shankara (o pacificador), um yogue meditante; e como Shambo ou Shambhu, o mestre benevolente. Shiva, muitas vezes, é também representado portando em sua mão um tridente – trishula – arma sagrada com a qual ele destrói o mal e a ignorância. A naja é a mais mortal das serpentes. Uma naja como adorno ao redor do pescoço e da cintura simboliza que Shiva dominou a morte, tornou-se imortal. Ela também representa a kundalini desperta, o constante estado de samadhi – de superconsciência – em que ele se encontra. O tambor (damaru) que ele segura na mão, quando assume a forma de Nataraja – o deus dançante –, simboliza o som do nascimento do universo (o mantra OM). É com ele que Shiva marca o ritmo do universo, as eras (yugas) e o compasso de sua dança. O touro branco (nandi) é a sua montaria e seu mais fiel companheiro. Esse animal quase sempre se encontra próximo de Shiva. Montar um touro branco simboliza dominar a violência, controlar a própria força e a energia sexual.

Shiva e a lua

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A Lua (chandra) continuadamente muda de fase, o que representa os ciclos da natureza e a renovação a qual todos os seres estão sujeitos, o ciclo do nascimento e da morte. Também representa as emoções humanas e suas alternâncias. Uma lua crescente na cabeça simboliza que Shiva também dominou as emoções e alcançou a equanimidade. A Lua reflete a luz recebida do Sol. No cabelo de Shiva, ela reflete a luz do Absoluto. O rio Ganga (Ganges) que jorra do alto da cabeca de Shiva simboliza a purificação, meio pelo qual ele confere aos devotos a dádiva da libertação (moskha).

Outro poderoso símbolo relacionado a Shiva é o linga (o falo). Alguns de seus seguidores (shaivas), especialmente os lingayatas, usam o shiva-linga como amuleto. No interior dos templos hindus dedicados a Shiva existem lingas de vários tamanhos, confeccionados de rocha, mármore ou metal, que são reverenciados com guirlandas de flores, incensos, frutas e leite pelos brâmanes (casta sacerdotal) e devotos. Para os yogues e hindus, a representação ereta do pênis não significa algo obsceno e/ou imoral, e sim o aspecto masculino do criador, a representação do princípio da fertilidade, do poder e da força de Shvia.


Shiva Natharaja – “O Senhor dos Dançarinos” Uma das representações mais importantes de Shiva é: (1) Natharaja – o “Rei (raja) dos Mestres (natha)”, também reverenciado como o “Senhor dos Dançarinos”, com quatro braços, ele dança envolto pelo elemento fogo, símbolo da transformação e renovação, e sobrepuja com um de seus pés o demônio anão da ignorância – imagem ao lado. Através de sua dança – tandava –, Shiva cria, conserva e dissolve o universo.

A natureza e todas suas manifestações são resultantes de sua eterna dança. (2) Pashupati – o “Senhor dos Animais e de todas as Criaturas”. E (3) Ardhanarishvara – Shiva é representado, ao mesmo tempo, com o seu aspecto masculino (lado direito: Shiva, consciência ou Purusha) e feminino (lado esquerdo: Parvati, matéria ou Prákriti). Aí simboliza o princípio masculino e feminino do universo.

Shiva parece não se adequar a um padrão comportamental definido, foi um grande revolucionário. Às vezes, compenetrado, contemplativo, sério, severo, guerreiro, invencível. Outras vezes, sereno, benevolente, brincalhão, bom esposo e frágil. Shiva, algumas vezes, parece não dar importância à etiqueta social e às regras morais de sua época.

No entanto, autêntico, verdadeiro, sábio e benevolente, Shiva é o epítome do verdadeiro yogii, da liberdade, da sabedoria, do poder, da espiritualidade e de uma consciência completamente desperta, desapegada e iluminada. Tornou-se o grande Mestre e Senhor dos Yogues – Yogiishvara – e um dos deuses mais fascinantes, adorado e reverenciado de toda a Índia.

OM NAMÁ SHIVÁYA. SHIVA OM NAMÁ.

1. Espécie de enciclopédia popular de caráter semirreligioso que aborda cosmologia, teologia e, especialmente, histórias dos deuses, reis e sábios da antiga Índia.