Para lidar com a instabilidade do momento, precisaremos, primeiro, cuidar dos nossos medos, angústias e sentimentos adequadamente
A instabilidade caracteriza o momento que vivemos. Estão impedidos os projetos a médio e longo prazo, a previsibilidade tornou-se praticamente impossível. Os planos são feitos para os dias imediatos e, mesmo assim, correm o risco de cancelamento. A pandemia da Covid-19 se prolonga. *Aqui no Brasil, essa política negacionista do Ministério da Saúde, em relação à ciência, em lançar dúvida sobre a segurança da vacina para crianças, ao sugerir que pais consultem um pediatra para decidir sobre vacinar seus filhos. E, no mundo inteiro, a instabilidade se propaga, acompanhando a emergência das novas variações do vírus, como a Ômicron, que se multiplica exponencialmente. Essa instabilidade que estamos vivendo traz a desesperança da volta a uma vida “mais normal”, acarretando desânimo.
As crianças, em função do pensamento mais concreto, experimentam essa instabilidade, na escola que abre e fecha, no afastamento dos colegas que foram morar em outros lugares e dos membros da família, que passaram a ver poucas vezes etc. Percebem que o seu mundo mudou e vivem a insegurança da falta da rotina. Sabe-se que a rotina é um fator importante para que a criança se sinta tranquila e apaziguada.
Os pais são as fontes incondicionais de segurança de seus filhos, pois esses dependem do amor, do apego, da proteção e do direcionamento das condutas. Porém, a instabilidade do momento atinge igualmente os pais, que vivem a angústia existencial e medo do futuro, o que é captado pelas crianças. Isso dificulta muito garantir a segurança delas.
Conseguiremos ajudar nossos filhos a lidar com a instabilidade do momento que vivemos?
Precisaremos primeiro cuidar dos nossos medos, angústias e sentimentos adequadamente, para, depois, termos a possibilidade de ajudar nossos filhos.
A pandemia gerada pela Covid-19 acarreta crises que são vividas de maneira diferente, não apenas em função da idade, mas também em função do estado físico, psicológico, social e cultural da pessoa. Quando, como o que acontece hoje, a experiência que se vive é ameaçadora e aterrorizante, “grande demais”, acima da possibilidade de ser administrada, muitas vezes se recorre à capacidade da imaginação, como recurso para controlar a elevação do nível do estresse.
Sabe-se que a imaginação pode trabalhar contra ou a favor, enquanto se luta para se adaptar à uma crise. Quando o ser humano sente muito medo, ele tende a projetar a ameaça nos outros e, depois, se sentir indignado e com rancor. Ele se experimenta como vítima e, portanto, com direito à retaliação. Isso é perigoso e nada útil em se tratando de ajudar os filhos. Um exemplo dessa situação é a irritação e o rancor que se sente em relação às pessoas que não seguem os protocolos prescritos para evitar a contaminação pelo vírus e que, portanto, são vistos como agentes de contaminação. E, de verdade, o são, mas, sentimentos negativos fantasiados e criados em relação a eles de nada adiantarão.
Teorias da conspiração
Também, em um âmbito mais geral, se explicam o aparecimento das teorias de conspiração que continuam a se disseminar no mundo, tanto nas ideologias de direita quanto nas de esquerda, e mostram que estamos vivendo em uma realidade fantasiosa na busca de culpados. Ao buscar culpados, nós nos vitimamos. Nesse caso, a imaginação trabalha contra.
Por outro lado, a imaginação pode trabalhar a favor, enquanto se luta para se adaptar a uma situação adversa. Ela pode ser uma força a favor da integração e do crescimento psicológico em fase à crise. A imaginação é um fator importante de resiliência.
Donald Kalsched, filósofo e psicólogo, analista junguiano e professor em várias universidade americanas, acredita que em nossa proximidade da morte pela Covid-19, em nossos medos e sofrimentos compartilhados com todas as nações, podemos também estar adquirindo uma imaginação para o bem, uma coalizão que apoia um movimento mundial de autoajuda. Isso, poderia restaurar em todos nós, nossa humanidade básica e nosso amor uns pelos outros e pela frágil democracia que muitos de nós vivemos.
À medida que as novas infecções pela Covid-19 se espalham por todo o mundo, sinais começam a aparecer em todas as línguas que dizem: “Estamos todos juntos nisso”. Apesar do medo de morrer e do sofrimento mundial, existe o desejo de compartilhar das descobertas da ciência e desenvolver vacinas juntos e a percepção da necessidade de enviar os suprimentos necessários ao redor do mundo. Esse desejo é fantasioso? Talvez sim, mas é nessa linha que precisamos conversar com nossos filhos. Contar para eles que precisamos abraçar a nossa humanidade e nossa vulnerabilidade e sonhar com a cura do planeta.
*Nota do editor-chefe: Aqui no Brasil, essa política negacionista do Ministério da Saúde, em relação à ciência, em lançar dúvida sobre a segurança da vacina para crianças, ao sugerir que pais consultem um pediatra para decidir sobre vacinar seus filhos.