E-mail enviado por uma leitora:
“Tenho um filho de seis anos e estou divorciada há dois anos. O divórcio se deu por minha parte, devido meu ex-esposo ser usuário de crack há uns 20 anos. Fiquei com ele nessa luta por 16 anos, mas resolvi pôr um ponto final depois de tantos detrimentos emocional e material. Durante um casamento de quase nove anos o internei em casas de recuperação por nove vezes, e ele já passou por mais duas internações depois do divórcio. Todas sem êxito, ficava três ou quatro meses sem usar, depois começava tudo novamente. No final, o que foi a gota d’água, ele estava usando drogas (crack) dentro de casa na presença de meu filho, e também o usava para conseguir dinheiro, levando-o para certas pessoas e falando que estava sem alimento ou alguma outra necessidade propícia na situação. No divórcio, não ficaram definidas as visitas, porque ele estava mais uma vez internado. Atualmente, não tenho negado as visitas; porém, exigi que fossem assistidas. Há quatro meses, ele saiu de mais uma internação e agora quer dar um de pai perfeito. Solicitou isso em juízo. O senhor, sabendo de tudo que um usuário de crack é capaz de fazer, o que me aconselha para provar que ele não tem condições mentais para isso? E tenho notícias de terceiros que ele continua usando drogas; porém, está escondendo, assim como o fez por várias vezes no nosso casamento. Não posso permitir outros abusos da parte dele com nosso filho. Além das internações, também fiz tratamento psiquiátrico com ele; usou remédios, mas abandonou após quatro meses. Foi um dano emocional e financeiro gigantesco. Preciso de sua ajuda, por favor.”
Resposta: A grande maioria dos estudos referentes ao uso de substâncias psicoativas entre os pais tem focado, principalmente, nas mães usuárias ou em ambos os genitores. Apesar disso, a frequência do consumo de cocaína/crack é maior entre os homens, e as repercussões do uso desta substância psicoativa pelo pai sobre os filhos são bastante contraproducentes.
Por que o consumo de crack pelo pai pode ser prejudicial ao feto
Primeiramente, antes da gestação propriamente dita, o uso de cocaína/crack pelo pai já representa um grave problema. Tem sido verificado que a cocaína/crack pode ficar acumulada (ou causar danos) nos tecidos testiculares, sêmen e espermatozoides, podendo provocar notáveis prejuízos à futura prole, tais como baixo peso ao nascimento, dificuldades de aprendizagem, anormalidades comportamentais, transtornos da memória, dentre vários outros. Pesquisas têm de fato sugerido que a cocaína produz então alterações no cérebro do feto, provocando modificações na expressão genética relacionada à formação da memória.
Como os pais usuários de crack prejudicam o desenvolvimento dos filhos
Após o nascimento, pais usuários de cocaína/crack também podem acabar prejudicando o desenvolvimento dos seus filhos. No caso específico do pai usuário, as consequências para os filhos são amplamente nefastas, incluindo:
a) perturbações emocionais e comportamentais;
b) aumento nas taxas de transtornos mentais, incluindo o uso futuro de substâncias psicoativas;
c) exposição da criança às situações de risco e cenários violentos;
d) exploração dos próprios filhos objetivando ganhos secundários;
e) ambiente disfuncional;
f) violência doméstica.
Apesar das consequências biológicas e psicossociais negativas do uso de substâncias psicoativas pelo pai (e, claramente, também pela mãe) sobre os filhos, não há como descartar a importância da paternidade para o adequado desenvolvimento da prole.
Revisões dos gêneros textuais médicos têm enfatizado que filhos mais estreitamente envolvidos emocionalmente com seus pais demonstram maior empatia, maior controle impulsivo e competência cognitiva, menos problemas comportamentais e emocionais, melhor grau de satisfação com a própria vida.
Contato precoce do pai com o filho produz uma criança mais calma e confiante
De fato, o engajamento dos pais em jogos, brincadeiras, leituras e cuidados básicos positivamente afeta a criança em variados aspectos, tais como o social, o comportamental e o afetivo. Outrossim, existem evidências de que o contato precoce do pai com seu filho logo após o parto produz crianças mais calmas e confiantes.
Devemos destacar, também, que o envolvimento saudável paternal com seus filhos em fase pré-escolar melhora o desenvolvimento emocional, da linguagem e da capacidade para o apego.
Claramente, ambos os pais não devem estar na vigência do uso de cocaína/crack, nem antes, durante e/ou após a gestação. Quando se planeja uma gravidez, os futuros pais que fazem uso de substâncias psicoativas devem cessar o consumo, através de tratamento especializado. Se isso não for realizado, os seus filhos pagarão um preço alto.
Resposta em relação ao seu caso
No seu caso reportado acima, as visitas ao filho pelo pai usuário de substância estão sendo supervisionadas e avaliadas pela Justiça. Ao mesmo tempo que a Lei considera a importância de ambos os genitores na criação e no desenvolvimento dos filhos, a Lei também entende que pais comprometidos psiquiatricamente deverão ser tratados e supervisionados e, por vezes, até mesmo, temporariamente afastados.
Problemas com o uso de cocaína/crack são crônicos; logo, o tratamento especializado deve ser continuado e prolongado. Tendo em vista que a situação já está sob os olhos da Lei, dois aspectos devem ser levados em consideração:
a) averiguar se o tratamento médico e psicossocial está sendo realizado de forma correta e continuada;
b) averiguar se o usuário tem capacidade mental para desempenhar a paternidade.
Conduza as suas dúvidas ao seu advogado ou mesmo ao juiz do caso. Seguramente, ambos entenderão a sua preocupação e estarão alerta ao bem-estar do seu filho, aliás objetivo final de todo este investimento.
Boa sorte!
Atenção!
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.