Consumo de cocaína pode causar acnes?

por Danilo Baltieri

“Eu tenho acne pelo corpo todo. Trato-me com remédios fortes, porém uso cocaína, mesmo me tratando. Tenho acnes horríveis… Elas são devido ao uso da cocaína? Ajude-me, por favor. Se for confirmado que a cocaína estraga minha pele, eu a abandono de vez! Morro de vergonha.”

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Resposta: Além das inúmeras ações deletérias da cocaína sobre diversos órgãos do corpo, essa substância altamente tóxica exerce também efeitos diretos sobre a mucosa e a pele, devendo-se enfatizar tanto seus efeitos diretos quanto seus efeitos indiretos. Esses chamados “efeitos indiretos” são aqueles relacionados, por exemplo, à má nutrição comumente vista entre dependentes de cocaína/crack.

Realmente, além dos efeitos euforizantes da cocaína/crack, essa substância propicia a constrição das veias e artérias do corpo, provoca danos nas paredes dos vasos sanguíneos e intensifica o fenômeno da coagulação (aumentando a chance de formação de coágulos e trombos).

Os fumantes de crack apresentam, frequentemente, lesões enegrecidas e puntiformes (que tem forma ou aparência de pontos) nas palmas das mãos e/ou dedos, mais amiúde verificada na mão não dominante. Tais lesões são atribuídas às queimaduras pelo cachimbo usado para conter a droga e elas são repetidas, visto que os sintomas da intoxicação tornam o usuário menos sensível aos efeitos térmicos da queimadura. As altas temperaturas atingidas pelos vapores emitidos durante o consumo do crack, por exemplo, podem produzir uma diminuição dos supercílios.

Complicações dermatológicas mais raras, mas graves, podem ocorrer com o usuário de cocaína/crack, como *necrose epidérmica segmentar, associada com manchas azuladas distribuídas pelo corpo, desencadeadas pelo vaso-espasmo prolongado (contração continuada dos vasos sanguíneos, lembrando que a cocaína é uma poderosa substância vasoconstritora).

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A inalação da cocaína pode resultar em edema da mucosa nasal, com sintomas de rinorreia duradoura (coriza significativa), diminuição da capacidade para sentir odores e, cronicamente, em necrose e perfuração do septo nasal. O consumo crônico dessa substância tem também sido associado a vários outros quadros dermatológicos, como vasculites, verrugas intranasais, púrpura palpável (pequenos pontos elevados vermelhos ou de cor púrpura, resultado do extravasamento de sangue dos capilares sanguíneos) e esclerodermia (espessamento da pele, resultado do acúmulo excessivo de proteínas – colágeno). É comum o encontro de escoriações generalizadas na pele devido à coceira induzida pela cocaína/crack.

Alguns indivíduos, após o uso, têm a sensação de que existem bichos andando pelo seu corpo; isso, também, faz com que eles se cocem com grande intensidade.

O dependente de cocaína/crack, frequentemente, alimenta-se de maneira inadequada e insuficiente. Aqui, vale a pena lembrar, que a cocaína é um dos mais poderosos inibidores do apetite. O déficit constante e progressivo de vários nutrientes induz às inúmeras complicações em vários órgãos, como a pele.

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Cocaína e acnes

A cocaína não está diretamente e de forma unifatorial relacionada ao surgimento das acnes. No entanto, como essa substância aumenta os níveis dos hormônios relacionados ao estresse, as acnes podem se sobressair. Outrossim, existem evidências de que uma das medicações utilizadas no tratamento da acne fulminante (Isotretinoína – Roacutan®) pode, em raros casos, induzir isquemia cerebral. Em conjunto com o uso de uma substância como a cocaína, esta chance deve aumentar exponencialmente.

Também é importante ressaltar que muitos usuários de cocaína apresentam eventos de intensa coceira pelo corpo. Na vigência de acnes, elas podem ser foco de manipulações manuais excessivas e altamente indesejadas.

Você deve interromper o consumo dessa substância. Embora não haja evidências de uma ação direta da cocaína sobre o surgimento de acnes, seguramente o seu consumo dificultará o manejo do problema, tornando a aparência das mesmas pior. Como dito, a vascularização da pele torna-se prejudicada pelo consumo dessa droga, as interações farmacodinâmicas com algumas medicações usadas para o tratamento médico são evidentes, o comportamento do usuário associado com uma inadequada alimentação soma-se para um desenlace nada satisfatório.

Não é hora de questionar se deve parar ou não. É hora de parar definitivamente o consumo. É fácil falar para cessar o consumo de cocaína; no entanto, cessar não é um processo nada fácil. Trata-se de uma das drogas com maior potencial para gerar síndromes de dependência entre aqueles que, em algum momento, a experimentaram ou a usaram “recreativamente”. Portanto, você deve procurar, além do seu dermatologista, um psiquiatra especializado no tratamento dessa grave doença e também sério problema de saúde pública. Não se esqueça de contar para o seu médico dermatologista sobre esse seu problema com o consumo da cocaína. Não perca tempo!

* O termo "segmentar", usado para várias doenças médicas, significa "partes". No caso, o consumo de cocaína pode induzir necrose epidérmica em segmentos da pele, por exemplo, em dois dos dedos da mão direita.

Atenção!
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico e não se caracteriza como sendo um atendimento.