Consumo de pornografia adulta: do prazer e do vício

O consumo de pornografia é necessariamente prejudicial para todas as pessoas? A grande dificuldade é reconhecer quando seu uso começa a sair do controle. Conheça os padrões de comportamento do consumidor problemático. Metade dos homens trafega quase que diariamente por sites pornográficos.

Antes de comentar brevemente sobre o consumo de pornografia e os problemas associados, devo dizer que não versarei aqui sobre o consumo de pornografia infantil, dada a complexidade e as peculiaridades do tema. Apenas tratarei sobre o consumo de filmes ou películas pornográficos desempenhados por atores adultos que, presumivelmente, consentiram na concretização e comercialização dos referidos materiais.

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Dito isso, é necessário ponderar que ninguém pode afirmar, além de uma dúvida razoável, que o consumo de pornografia é necessariamente prejudicial para todas as pessoas. É importante notar que o consumo de pornografia é um fenômeno de massa na cultura ocidental.

Embora seja difícil determinar de forma confiável a prevalência do uso de pornografia, estima-se que cerca de 43% dos internautas trafegam rotineiramente para um site de sexo explícito, 70% dos homens entre 18 e 24 anos visitam um site pornográfico pelo menos uma vez por mês, e quase 55% dos universitários do sexo masculino no Brasil consomem pornografia ocasional ou frequentemente. Além de usar a Internet, as pessoas costumam usar revistas e vídeos para provocar estimulação sexual, os quais são facilmente visíveis nas bancas de jornais de todo o Brasil. Esta acessibilidade pode aumentar consideravelmente as taxas de exposição à pornografia.

Como o consumo de pornografia pode afetar negativamente as pessoas?

A preocupação social em relação ao uso da pornografia deriva do medo de que o consumo possa afetar negativamente as pessoas, por exemplo:

a) Prejudicando a conexão entre emoções, intimidade e sexualidade;
b) Aumentando a desigualdade de gênero;
c) Estimulando a imitação de comportamentos arriscados e insalubres vistos nos filmes ou materiais pornográficos.

Uso de pornografia pode vir aliado ao consumo de drogas

A exposição aos materiais sexualmente explícitos pode também estar relacionada ao uso indevido de substâncias psicoativas, sexo grupal, práticas sexuais de risco, estilo de vida não saudável entre adolescentes, bem como atitudes de apoio à violência contra mulheres e/ou homens.

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Contrariamente, outros estudos têm falhado em mostrar uma associação direta entre a exposição à pornografia e comportamentos sexuais de risco, déficits de intimidade ou aumento nas taxas de agressão sexual, sugerindo que outros fatores ou motivações subjacentes ao consumo de pornografia propriamente dito poderiam explicar melhor esses efeitos deletérios.

Apesar de inúmeros fatores psicossociais, culturais, e relacionados ao aprendizado, exercerem influência sobre como o consumidor de pornografia pode apreender o conteúdo daquilo que está sendo visto, é fato que uma parcela dos consumidores de pornografia desenvolve um padrão compulsivo de busca por este tipo de material. E esse é um problema que precisa ser combatido.

Embora os estudos sobre a prevalência do consumo problemático de pornografia sejam esparsos, pelo menos cinco pesquisas já tentaram estimar a prevalência do problema, especificamente em amostras de adultos e adolescentes usuários da Internet. Coletivamente, os estudos geralmente revelaram que a prevalência varia entre 3% e 16%, mesmo quando se basearam no autodiagnóstico dos participantes, ao invés de aplicar alguma definição ou avaliação clínica.

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Impulsos sexuais e sofrimento

Um estudo norte-americano revelou recentemente que até 7% das mulheres e 10% dos homens demonstraram níveis clinicamente relevantes de sofrimento e/ou prejuízo associados à dificuldade de controlar impulsos sexuais.

Contudo, outros estudos já tinham encontrado taxas de prevalência do comportamento sexual compulsivo de 3% para homens e 1% para mulheres. Uma exceção foi um estudo entre veteranos militares dos EUA que encontrou uma cifra ao redor de 17%. Dada a dificuldade para se falar sobre sexo e, em especial, sobre a perda do controle sobre os próprios comportamentos sexuais, as diferentes taxas encontradas em diversos estudos não devem provocar sobressaltos.

Vício em pornografia é reconhecido e diagnosticado pela psiquiatria

O consumo problemático de pornografia usualmente perfaz o diagnóstico do Transtorno do Comportamento Sexual Compulsivo, rigorosamente categorizado no manual de Classificação Internacional de Doenças – 11 edição (CID-11) da Organização Mundial da Saúde (OMS). O Transtorno do Comportamento Sexual Compulsivo é caracterizado por um padrão persistente de falha no controle de impulsos sexuais intensos e repetitivos, resultando em comportamento sexual recorrente durante um período prolongado (por exemplo, seis meses ou mais) que causa sofrimento acentuado ou prejuízo na vida pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional ou outras áreas importantes de funcionamento.

Isso significa que a perda do controle, a disfuncionalidade subsequente e os prejuízos gerados estão presentes entre os consumidores problemáticos de pornografia.

Consumidor problemático de pornografia: padrão de comportamento

De forma didática e sumária, o padrão comportamental do consumidor problemático de pornografia pode manifestar-se em uma ou mais das seguintes configurações:

a) O envolvimento em atividades sexuais repetitivas (consumo de pornografia, por exemplo) torna-se um dos principais focos na vida da pessoa podendo chegar ao ponto de negligenciar a saúde e os cuidados pessoais ou outros interesses, atividades e responsabilidades;

b) A pessoa faz vários esforços infrutíferos para controlar ou reduzir o comportamento sexual repetitivo, sem sucesso;

c) A pessoa continua a se envolver em comportamentos sexuais repetitivos, apesar das consequências adversas (por exemplo, interrupções repetidas de relacionamentos, consequências ocupacionais danosas, impacto negativo na saúde);

d) A pessoa continua a se envolver no comportamento sexual repetitivo mesmo quando obtém pouca ou nenhuma satisfação com isso.

Alterações no funcionamento cerebral desses indivíduos consumidores compulsivos estão sendo cada vez mais bem elucidados, o que tem tornado o diagnóstico do problema praticamente irrefutável.

Por exemplo, algumas áreas específicas do cérebro  o Estriado Ventral, Núcleo Accumbens e Amígdala – têm revelado maior atividade nas pessoas com o diagnóstico de Transtorno do Comportamento Sexual Compulsivo quando estão consumindo pornografia. Outrossim, o uso compulsivo da pornografia parece estar associado a um menor volume do Núcleo Caudado direito.

Além disso, a parte do cérebro chamada Putâmen esquerdo está envolvida no processamento visual do conteúdo sexual; entre aqueles com alta exposição a estímulos pornográficos, pode ocorrer uma regulação negativa da resposta neural natural a estímulos sexuais.

Demonização da pornografia

Uma parcela da população é suscetível aos efeitos negativos do consumo de pornografia e outra parece não ser

De qualquer forma, a pornografia tem sido demonizada por diferentes grupos de pessoas, atribuindo a ela notáveis mazelas sociais, pessoais e sociais. Como vimos, seguramente uma parcela da população é mais suscetível aos efeitos negativos desse consumo; entretanto, outra parcela parece não ser.

Retórica antipornografia

Algumas retóricas antipornografia atuais parecem estar enraizadas nas crenças centenárias de que a masturbação é pecaminosa e, portanto, perigosa. A condenação da masturbação proliferou na Europa no século XVII. Em 1633, o médico inglês Richard Capel escreveu que a masturbação é um pecado imoral que faz com que “os corpos apodreçam e se enfraqueçam”.

O problema com a masturbação, na mente de alguns grupos de pessoas daquela época, era que ela “ameaçava escravizar a vítima por estimular constantemente a sua imaginação”, que desperdiçava sêmen e as secreções sexuais femininas e que era ofensivo ao casamento e à família. No início dos anos 1700, a preocupação com a masturbação aumentou no meio médico. Os médicos começaram a escrever sobre o que presumiam a respeito dos “perigos” da masturbação, atribuindo, algumas vezes, vários problemas físicos à prática masturbatória, tais como: emagrecimento, sêmen aguado, testículos fracos, gonorreia, vazamento constante de sêmen do pênis, mandíbulas magras, aparência pálida, crostas na pele, músculos magros da panturrilha, vertigem, perda de audição, dor de cabeça, perda de memória, batimentos cardíacos irregulares, epilepsia, conjuntivite, adelgaçamento do pênis e congestão dos lábios…

Com o tempo, as teorias sobre os danos fisiológicos da masturbação deram lugar a um novo conjunto de teorias de que a masturbação prejudicava a saúde mental. O primeiro livro psiquiátrico americano, publicado em 1812 pelo Dr. Benjamin Rush, descreveu quatro casos de pacientes cujo transtorno mental era atribuído à prática da masturbação.

Em 1832, um livro do célebre neurologista suíço Samuel-August Tissot, “Tratado sobre as Doenças produzidas pelo Onanismo”, foi disponibilizado nos Estados Unidos. Neste livro, Tissot propôs, possivelmente pela primeira vez, a ideia de que a masturbação pode ser “viciante”. Nos Estados Unidos, a masturbação tornou-se menos estigmatizada somente nas décadas de 1970 e 1980, quando nasceu o conceito de “vício em sexo” juntamente com propostas de tratamento. Percebeu-se, ao longo do tempo, que a masturbação é um comportamento normal e até mesmo salutar e que, em algumas situações, torna-se problemático, como é o caso dos masturbadores compulsivos.

Curiosamente, tem sido mais difícil identificar quando surgiu a ideia de que algumas pessoas poderiam ficar “viciadas” em pornografia. A opinião parece ter sido promovida pela revista americana Christianity Today em 1982, quando relatou que o psicólogo Victor Cline havia falado em uma conferência nacional sobre os efeitos “viciantes” da pornografia.

Transtorno do Comportamento Sexual Compulsivo

De uma forma ou de outra, o Transtorno do Comportamento Sexual Compulsivo pode manifestar-se de formas diferentes: consumo problemático de prostituição, consumo problemático de pornografia, masturbação excessiva e vários outras buscas problemáticas por sexo. Quando alguém é afetado por este transtorno mental, as consequências podem de fato ser devastadoras.

O difícil é reconhecer quando o comportamento sai do controle

Não aprecio a demonização; sempre recomendo a auto-observação e a busca por aconselhamento médico especializado em situações de perda do controle e gasto excessivo de tempo no consumo desse tipo de material. A grande dificuldade é reconhecer quando o comportamento está começando a sair do controle…

Metade dos homens consome pornografia

O consumo de pornografia é prazeroso; se não o fosse, metade dos homens não trafegariam quase que diariamente por algum site ou blog de caráter pornográfico (sem mencionar alguns grupos de WhatsApp cujo objetivo principal é a troca de materiais de cunho pornográfico).

Contudo, não há como negar os seus riscos. Quem está e/ou estará entre os 3 a 10%?

Abaixo, recomendo a leitura de um interessante livro sobre o assunto:

Referência:
Rothman, EF. (2021). Pornography and Public Health. Oxford University Press

Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professor de Psiquiatria do Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC. Pesquisador nas áreas de Dependências Químicas, Transtornos da Sexualidade e Clínica Forense.