por Aurea Afonso Caetano
Brasileiros são cordiais por natureza. Povo alegre, feliz, sonhador, exuberante! Sinto-me sempre muito incomodada com a constante repetição desse padrão: a imagem que se veicula é a de que a solução para qualquer conflito é nossa alegria, nossa capacidade “conciliatória”, nossa música, nossa bebida, nosso futebol e, claro, nossas mulheres.
Esse tema é repetido à exaustão pela mídia e utilizado como atrativo em pacotes turísticos destinados a americanos e europeus, desejosos do contato com um povo mais alegre e descontraído. Esse é nosso grande chamariz.
E o que dizer de nossa capacidade de trabalho, de nossas instituições políticas, de nosso vigor enquanto jovem país. Percebo que tememos, enquanto nação, crescer de forma ordenada, pois acreditamos que isso vai contra a proclamada exuberância e criatividade, o perigo que nos assombra é o da perda de nossa identidade.
Crescer e ser criativo dá trabalho
Crescer dá trabalho, mudar de funcionamento dá trabalho, organizar a vida a partir da criatividade dá trabalho. É preciso comprometimento e cuidado; paciência, porque mudanças levam tempo. Não nos damos conta do quanto já fizemos e ainda podemos fazer e mais… não percebemos quanta energia é gasta nesse funcionamento meio primitivo no qual precisamos a cada momento rever nossos conceitos básicos.
Brasil ainda é a “casa da mãe Joana”
Tememos tanto a rigidez e o dogmatismo que acabamos por nos fixar em um tipo de desenvolvimento anterior, Brasil é ainda “a casa da mãe Joana”- lugar no qual, tudo é possível, sempre cabe mais um, onde o pai, a regra, a lei patriarcal não entram.
Realizar o desejo implica encontrar o limite, confrontar nossa sombra e isso é definitivamente assustador para nós. Sair da fantasia de total possibilidade e encontrar nosso real lugar no mundo; acordo de compromisso entre o mundo da mãe, no qual tudo é possível e o mundo do pai, lugar da discriminação onde escolhas são necessárias. Estamos tão identificados com um dos lados da polaridade que não nos autorizamos a desenvolver o outro lado.
A moral firme é necessária, mas, também a crença em um sonho possível de crescimento. Parece que é nesta esfera que estão nossos piores problemas. Eduardo Galeano, escritor uruguaio, diz que a resignação ante à realidade é como a aceitação fatalista de um destino. A realidade não é um destino: é um desafio, o tempo presente não é o tempo da eternidade, as coisas, a realidade, mudam, estão em contínua transformação; tudo muda o tempo todo e nós temos o sagrado direito de imaginar o futuro, não estamos condenados a aceitá-lo.
Estamos longe de viver, neste momento, o lema de nossa bandeira: “Ordem e Progresso”. E para que qualquer mudança criativa se dê, é importante que algum tipo de ordem seja estabelecida. O caos não pode imperar!