Nesses tempos de Covid-19, a presença da morte se faz, inexoravelmente, na mente das pessoas. A morte, como fim inevitável, dada nossa condição de mortais, é algo sabido, mas a noção da morte ficava à distância da nossa consciência.
Hoje, é impossível não pensar na morte. Ela apresenta-se muito próxima e, muitas vezes, mostrada pela mídia, na forma de “espetáculo”, isto é, na constante e repetida contagem crescente do número de mortes diárias nos países, nas imagens de novas sepulturas abertas à espera etc. A possibilidade da morte abala o ser humano nas diferentes idades. Hoje, se ela assusta muito os mais velhos, os adultos e os adolescentes, apavora as crianças.
Até os cinco anos a criança não tem ideia da irreversibilidade da morte, depois dessa idade ela convive com a noção de que a morte é algo que, em geral, acontece com as pessoas bem mais velhas. Na pré-adolescência, já se percebe que a morte pode ocorrer nos mais jovens por doenças ou acidentes e o medo de perder os pais, principalmente, prepondera. O medo da morte, o medo do tipo de morte passa, então, a assolar a cabeça do ser humano até o fim da vida. São medos que não conseguem ser subestimados.
Hoje, a morte pela Covid-19 é possibilidade real e as fantasias a respeito enchem a mente das pessoas. Podemos perguntar se essa forma de morrer, tão tenebrosa pelo isolamento, pela sufocação, pela dor, poderá tornar o chamado homo-deus, usando a nomeação dada pelo escritor Harari, menos arrogante e menos prepotente?
O que representa a morte?
A morte, em termos simbólicos, significa transformação, mudança, necessidade de terminar, de cortar, de seguir outro rumo. É o “cair em si” anunciando que o antigo não pode mais seguir adiante. O símbolo da foice que a morte carrega alude ao ceifar o campo para um novo plantio.
A morte, como símbolo, anuncia grandes transmutações e novos espaços de realização. Determina o abandono de velhos hábitos, implica em desapego e desligamento. Traz a destruição do que é velho, mas também renascimento e criação do novo.
Nesses tempos de quarentena e de confinamento observou-se o crescimento tão exuberante da comunicação via internet, possibilitada por tantos aplicativos, plataformas, portais etc. Está-se criando a maior telecomunidade de todos os tempos, ainda que, infelizmente, não para todos.
A Internet é um fenômeno do coletivo, seja considerada como a organização do conhecimento, como meio de comunicação, como lugar de comércio ou como meio de aventura psicológica ou espiritual. A Internet é a tecnologia de “estar sem ser, em um lugar”. Você, minha cara leitora ou meu caro leitor, já imaginou a quarentena, o confinamento num só espaço, sem qualquer possibilidade de acesso a outros espaços?
O lado sombrio da internet
Porém, nem sempre essa tecnologia é luminosa. Ela tem o seu lado sombrio também. Sabe-se que existem crianças que se agarram aos seus iPads, recusando-se a atender às atividades escolares. Têm adolescentes que se isolam e que mergulham nos videosgames. É fato também que existem adultos, compulsivamente fazendo compras desnecessárias pela internet. Existem pessoas mais velhas que oneram seus filhos, já tão sobrecarregados nesses tempos, se recusando a aprender ou a utilizar a tecnologia, permanecendo na dependência da ajuda constante da prole. São exemplos, entre muitos de patologias possíveis.
O lado luminoso da internet
Em seu lado positivo, luminoso, a tecnologia, porém, traz a possibilidade da transformação, do crescimento, da vida. Que a noção da morte presentificada em nós, adultos, nos faça conscientes de nossa finitude, de nossa mortalidade. Que possamos aproveitar este momento para refletir a respeito do sentido dessa pandemia. Que possamos refletir o respeito do sentido que damos à nossa própria vida e que possamos dar, para nossos filhos, o exemplo de uma vida diferente, mais criativa, mais ética, mais digna.