Qualquer um de nós, pessoas do início do Século XXI, deve ter se perguntado uma ou outra vez acerca de sua participação política. Se considerarmos as circunstâncias da crise mundial provocada pela pandemia do Covid-19, essa pergunta deve ganhar um destaque especial. A dificuldade de lidar com uma realidade inteiramente nova, como a provocada pela pandemia, constitui um desafio diferente, justamente porque não há ainda um padrão consolidado sobre o que se deve fazer.
Embora existam procedimentos que têm se tornado mais ou menos consensuais, o comportamento dos governos ainda oscila e cada um tenta afirmar um padrão que seja aceitável para seus próprios cidadãos. Além de tudo, deve-se pensar que todos os políticos buscam permanecer onde estão e ganhar terreno em um ambiente instável.
Covid-19: por que o egoísmo toma a dianteira?
Mas não são apenas os governos que não sabem exatamente como proceder. Nós, os cidadãos, também não sabemos muito bem como agir diante de uma situação de crise geral como essa. Não é raro que nesse tipo de situação, o egoísmo tome a dianteira. Até porque as iniciativas de solidariedade parece muito limitadas diante das restrições de contato pessoal produzidas pela Covid-19. Além do mais, diante de uma ameaça à nossa vida, parece razoável adotar uma atitude que priorize a segurança. Isto é, a segurança de cada um antes de tudo. É como se, diante de uma ameaça à vida, naturalmente colocássemos a dimensão política em segundo plano, já que o primeiro passa a ser ocupado pela necessidade mais básica de sobreviver.
Assim, parece que a situação atual tende a tornar secundários todos os projetos e sonhos de solidariedade humana, toda a dimensão política da vida em que a convivência com os demais adquire uma grande importância. Afinal, para a grande maioria das estratégias de enfrentamento da pandemia, o essencial é o isolamento. E o isolamento é justamente o término das atitudes políticas, a desconexão com os demais. A cidade, o protótipo da instituição política por excelência, é uma maneira de vivermos aglomerados. Mas de que vale a aglomeração se a recomendação é que cada um restrinja sua existência à dimensão privada? Ela é só um entrave, algo de que agora temos de nos desvencilhar.
Crise política no futuro
A crise atual será seguramente uma crise política – pelo menos no futuro, quando as consequências do isolamento se fizerem sentir em todas as suas dimensões. Se podíamos dizer que a instituição política do Estado vinha sendo objeto de um esfacelamento gradual já no final do Século XX, a partir de agora isso certamente se intensificará. São os vínculos da vida social que estão se tornando mais tênues.
A própria situação de diminuição do ritmo temporal da nossa existência, provocada pelas restrições ao trabalho, demonstrarão de maneira óbvia o aspecto desnecessário e artificial do ritmo produtivo, do nervosismo do monitoramento permanente, da pressão social por ajuste e eficiência. Todos esses elementos em crise fragilizam o núcleo da vida política e permitem deslocamentos pessoais de toda ordem: cada um perceberá por si mesmo como sua vida poderia ser diferente se diminuísse seu ritmo existencial, se não levasse tão a sério as demandas por ajuste etc. Algo que cada um de nós tem realizado agora mesmo que a contragosto.
Você confia ou teme a vida?
Nesse vazio político, nessa diminuição de ritmo, nesse desvanecimento dos antigos elos sociais é que criaremos as novas formas e vida que se tornarão maduras lá pelo Século XXII. Como viveremos nessas circunstâncias, dependerá de como nos posicionaremos diante do egoísmo que a necessidade de sobreviver nos lança diante dos olhos. Nossa atitude diante daquilo que julgamos legítimo sacrificar pela manutenção da segurança de viver, é que constitui o fiel da balança sobre a vida política do Século XXII. É o temor ou a confiança que possuímos na vida que será determinante para o futuro. Você confia ou teme?