por Danilo Baltieri
São Paulo luta há 20 anos contra a cracolândia sem vencer. Por quê?
Resposta: Os problemas relacionados às “cracolândias”, os quais se arrastam há anos em São Paulo e em outras cidades ao redor do país, transcendem a seara da saúde pública, da justiça e do social, resvalando por outros campos.
O manejo desses problemas requer uma miríade de ações conjuntas, focadas, unificadas e onerosas que tornam a sua resolução um considerável e formidável desafio. Naturalmente, se assim não fossem, tais problemas já teriam sido resolvidos.
Algumas das ações na resolução desses problemas poderiam ser assim sumarizadas:
a) reduzir significativamente o número de usuários da droga, através de tratamentos médicos e psicológicos bem estruturados, de fácil oferta e ostensivamente existentes. A incorporação dos membros da família de cada usuário é amplamente desejável;
b) evitar a falta de perspectiva social entre os usuários, como oportunidades de emprego, crescimento pessoal e profissional;
c) promover estratégias de prevenção para futuros usuários, ou seja, identificar aqueles em risco de iniciar o consumo e tratar;
d) conquistar o apoio e a confiança da sociedade e das comunidades para este fim;
e) promover segurança para o público geral;
f) proteger interesses comerciais;
g) construir e reconstruir o capital social;
h) defender a ordem social e moral;
i) detecção e apreensão de traficantes;
j) desmantelamento das redes de oferta da droga;
k) aperfeiçoamento dos mecanismos de controle social, incluindo membros da polícia com adequado treinamento e interesses bem claros;
l) as organizações criminosas devem ser melhor estudadas e monitoradas, descobrindo com maior tenacidade seu modus operandi e capacidades para distribuição das drogas.
Tudo isso exige tempo, dinheiro, inteligência e organização. As equipes devem ser competentes e responsáveis, evitando o desvio do foco principal que é a preservação da vida e a recuperação biopsicossocial do usuário.
É impossível discorrer com propriedade neste texto sobre todas as capacidades necessárias para o combate às cracolândias. Por isso, submeto-me apenas à minha seara de atuação neste momento.
O Brasil é um destino especial para a cocaína, dadas as rotas de escoamento da droga. Desde a década passada, o consumo tem disparado no nosso meio, e o uso da cocaína tem praticamente duplicado desde 2015.
Curiosa trajetória do crack no Brasil
A trajetória do crack no nosso país teve uma história no mínimo curiosa. Por muitos anos, traficantes do Rio de Janeiro baniram a sua comercialização, baseando-se na pequena margem de lucro gerada. Embora o crack esteja evidente em São Paulo desde 1990 e em Belo Horizonte desde 1995, os traficantes do Rio de Janeiro impediram a sua comercialização até, pelo menos, 2001. Depois desta data, o crack começou a ser comercializado no Rio de Janeiro devido, em grande parte, às tratativas entre facções criminosas (Primeiro Comando da Capital, Amigos dos Amigos e Comando Vermelho).
Hoje, o país é o consumidor líder de crack ao redor do mundo, utilizando cerca de 20% do total da droga disponível.
Não será possível impedir as cracolândias nem tampouco a sua expansão sem disponibilizar serviços de saúde competentes e bem equipados, reformar o sistema judiciário para que as diferenças entre usuários e traficantes sejam mais objetivamente detectadas, evitar o encarceramento dos usuários que não demonstrem ligação com facções criminosas (porque, dentro das prisões, a chance de ter não é desprezível), promover a redução da violência policial desnecessária, monitorar facções criminosas responsáveis pela distribuição, captação e comercialização da droga. E, claro, impedir, a qualquer custo, a corrupção que pode envolver diferentes grupos de pessoas.
O tema é extremamente delicado. Mas, não há como falar em cracolândia sem falar em grupos organizados, tráfico de drogas, falta de perspectivas reais e realistas para os usuários, descaso social, perda da confiança social na capacidade dos governantes em superar o problema. Embora a dependência da droga seja um problema de saúde pública, a cracolância transcende este aspecto, o qual apenas é uma pequena, mas crucial, faceta do problema.