por Roberto Goldkorn
Novamente baixo a cabeça diante dos números de mulheres mortas, feridas e estupradas no Brasil – não se exclui o resto do mundo dessas tristes estatísticas. Aí lembro as estatísticas de uma guerra onde existem mortos e feridos, humilhados e vencedores, e me pergunto: existe guerra mais longa na história da humanidade que essa? Mas numa guerra morrem e sofrem dos dois lados, e nessa guerra dos sexos, 95% dos caídos pertencem apenas a um dos lados, e o pior a um lado que parece não querer lutar. Pelo menos não esse tipo de luta.
Quando vemos que os homens que tentaram contra a vida da menina paquistanesa que lutava pelo direito das meninas daquela sociedade de estudar foram condenados, relaxamos e pensamos: a coisa caminha! Mas não é verdade, e se caminha, o faz num ritmo tão lento, que antes de chegar a qualquer lugar, ainda vai deixar um rastro longo de sangue e sofrimento.
O que há por trás dessa guerra unilateralmente declarada?
Existem fatores culturais poderosos, e alguns dizem que as religiões judaico/cristãs têm bastante culpa no cartório ao enfatizar o fator de inferioridade existencial da mulher e a sua dependência do homem. Mas os covardes que alvejaram a menina paquistanesa – Malala na cabeça – não são cristãos nem judeus; os indianos que perpetram sistemática e alegremente o estupro coletivo tampouco são muçulmanos. Os africanos que praticam a criminosa cliteridoctomia (extirpação parcial ou total do clitóris) não são nem judeus, nem cristãos, nem muçulmanos, nem hindus.
Concordo que a tradição cultural religiosa ou não tem um peso grande nessa questão, mas não é estranho que quase todas as tradições religiosas e culturais da humanidade tenham todas uma vocação antifeminina? Que incentivem os homens a subjugar seja de que forma for as mulheres? Que essas tradições de tão poderosas e antigas que são, acabam sendo transmitidas (e assim preservadas) pela educação, e quem educa, são as mães?
O feminismo acadêmico como uma reação irada e aparentemente racional contra esse estado de coisas, acaba virando uma piada, por ser ideológico e portanto tão distorcido quando a ideologia do macho dominante. Um livro interessante que li, escrito por antropólogas feministas chamado O Sexo Invisível (J.M. Adovasio, Olga Soffer, Jake Page, editora Record) faz malabarismos dialéticos para provar que o papel da mulher na pré-história foi muito mais relevante que os estudiosos (machos) até agora nos fizeram acreditar. Elas argumentam que eles inferiram grande parte de suas conclusões de achados bem deteriorados e muito antigos que dificultariam demais sua leitura. Mas elas afirmam que a leitura desses artefatos conta outra história mais favorável ao papel feminino. Ora se as autoras acabaram de afirmar que o estado precário das peças encontradas tornariam impossível para os arqueólogos (machos) confirmarem com tanta convicção a sua versão do protagonismo de nossos ancestrais masculinos, como elas podem inferir dessas mesmas amostras o contrário para afirmar o protagonismo feminino?
Mas volto a repetir, essa reação do stablishment acadêmico feminino é compreensível diante desse massacre milenar sobre as mulheres em todo o mundo.
Para onde podemos ir nessa armadilha que vitima nossas mães, irmãs, filhas e amigas?
Existem algo além da cultura e das perversas interpretações religiosas que expliquem a origem e funcionamento desse mecanismo perverso?
Existem sim programas espirituais que estão em outro plano da existência e que acabam plasmando e reafirmando essas culturas tão diferentes entre si, mas que possuem um traço comum que é o desprezo e a ideia de superioridade do macho em relação à fêmea.
As neurociências e as psicologias já nos provaram que existem grandes diferenças na anatomia cerebral e hormonal entre os gêneros, mas em nenhum caso essas diferenças implicam em superioridade, a não ser física. E mesmo assim a crença medieval de que o homem é superior, prevalece entre homens e mulheres.
Espiritualmente temos um modelo antigo, uma espécie de forma que mantem vivos esses macroprogramas criados por alguma circunstância primitiva e realimentados pela prática. Tudo indica que tudo começou quando uma guerra entre duas concepções de vida foi vencida pela facção da Espada ou seja pelo partido do macho guerreiro. Do outro lado existia o partido do Cálice, uma sociedade e culto religioso que era regido e inspirado por uma Deusa Mãe ou seja pelo princípio feminino. O mais importante é entender que mesmo as culturas da Deusa agregavam também um princípio masculino.
A cultura da Espada por sua natureza era altamente competitiva enquanto que a cultura da Deusa eram mais cooperativa, e desse choque não poderia haver outro vencedor. Hoje pagamos o preço dessa "vitória". O sistema da espada vai durar até que o seu modelo esteja exaurido, que o massacre sistemático das mulheres gere tanta frustração, tanto cansaço, que a espada envergonhada e estéril volte para a bainha (que veio do latim "vagina").
Não vejo como alterar essa forma coletivamente ou por decreto. A mudança vai ser lenta, se é que será possível algum dia. A informação e a resistência contra esse modelo espadachim são sempre boas ferramentas, e terão a sua utilidade no longo prazo bem como em algumas vitórias de curto prazo.
Minha opinião é que a mulher precisa resistir e o homem precisa desistir de sua sanha dominadora.
A mulher precisa melhorar a sua independência afetiva, pois muitas vezes é a necessidade crônica/aguda de "amor" que a deixa refém do doador de amor- o homem!
Porém, mais que qualquer atitude ou comportamento, a mulher precisa mudar o modelo mental, já que é ela a principal reprodutora como Mãe dos padrões culturais e espirituais de dominância do macho.
Uma sogra que tenta por todos os meios massacrar a nora para defender as perversões do filho, ou a mulher que cala e consente no acobertamento dos crimes do companheiro contra suas próprias filhas, não estão ajudando muito a mudar o genocídio de suas iguais, e sim perpetuando-o.
O machismo perverso não está apenas no comportamento dos homens, está também no dna de muitas mulheres que com eles colaboram nessa cruzada autodestrutiva, onde não há vencedores.
Um mundo com mulheres machucadas, com mulheres amedrontadas, é um mundo feio, imbecilizado, e todo o resto é basicamente consequência disso.
A Deusa nunca nos abandonou mas sua mentalidade é diferente do Deus que supostamente se imiscui nas decisões e no cotidiano das pessoas. Ela não compete pelas cabeças ou pelas almas dos fiéis, ela não exige sacrifícios, altares, não pede o temor ou a adoração de todos. Ela só espera o amor das pessoas, e como todos sabemos, o amor é frágil. Mas é paciente.