por Roberto Goldkorn
As sociedades tradicionais, chamadas de primitivas por nós, conheciam bem o segredo do amadurecimento.
Para colocar uma linha divisória clara e inquestionável entre a infância e a idade adulta (pelo menos dos machos) promovia rituais de iniciação. Esses rituais eram (e ainda são) arriscados e dolorosos. A dor e o risco são metáforas concretas das dores e dos riscos de ser adulto e estar por sua própria conta nessa longa estrada da vida.
Assim, conseguindo transpor esse limiar simbólico a criança estava oficialmente desligada da dependência de seus pais e podia (e devia) assumir responsabilidades de adulto na sociedade.
A nossa sociedade tão evoluída vai no sentido oposto: mantemos nossos filhos o máximo possível debaixo de nossas asas e de nosso teto sob os mais variados pretextos. Assim dificultamos e às vezes até impossibilitamos o processo natural de morte (da criança) e nascimento (do adulto).
Não se pode generalizar, mas crianças tardias acabam se entronizando no corpo e na mente do adulto que nunca cresce de verdade. A psicologia até já deu um nome para isso: síndrome de Peter Pan – crianças que se recusam a se tornar adultos. Assim se recusam também a lidar com as frustrações inerentes à vida adulta. Mesmo aos trinta e tantos anos, quando querem uma coisa batem os pés, fazem birra, ou se tornam agressivos para obter o seu objeto de desejo. No fundo o sintoma mais dramático desses adultos que são dirigidos pela criança que foram, é o medo, ou melhor os medos.
Assim como toda criança que, legitimamente (por ignorância) teme o escuro, o desconhecido e os “fantasmas” de seu cotidiano, adultos peterpanizados paralisam sua vida por medos e fragilidades que não deveriam estar lá. Neuroses, fobias, agressividade paranoica, narcisismo crônico são sintomas de adultos que se recusaram a crescer, mas não detêm a marcha biológica.
Os medos infantis nos adultos são a raiz de muitos (alguns estudiosos afirmam que de todos) os males psicológicos e até físicos que assombram a vida de milhões de indivíduos, principalmente no Ocidente.
Quando pais amorosos fazem imensos esforços para facilitar ao extremo a vida dos filhos, estão cometendo um grande equívoco que irá repercutir mais tarde.
O psicólogo suíço Jean Piaget, um ícone da psicologia infantil aconselhava a deixar obstáculos no caminho de crianças pequenas para que elas mesmas se esforçassem para descobrir como transpô-los.
Promover o gradual desenvolvimento das habilidades infantis que levem à sua independência é não só a verdadeira prova de amor, mas principalmente de inteligência.
Com meus filhos e filhas estimulei precocemente que comessem com garfo e faca apesar da bagunça que faziam no começo. Tirei a fralda assim que achei que poderia ensiná-los a fazer suas necessidades no vaso sanitário (mesmo tendo de acordar no meio da noite e levá-los ao banheiro). Evitei ao máximo que mantivessem medos míticos como do bicho-papão, da bruxa malvada, ou do homem do saco. Confrontei sempre que podia qualquer um que viesse trazer-lhes esses personagens cuja única função é controlar as crianças através do medo.
Claro que promover a independência e a lucidez das crianças pode fragilizar pais que também não cresceram e veem nas crianças seus objetos de projeção infantil – medos, frustrações, ressentimentos, perversões etc. Não se trata de ver crianças pequenas como adultos em miniatura como fazíamos no passado recente.
Precisamos ter um olhar mais “sociológico” diante de nossos filhos e filhas. Entender que aquela criança é temporária, tem data de validade. Mas o futuro adulto está naquele momento, naqueles poucos anos sendo esculpido em carrara.
Como disse Machado de Assis, “O menino é o pai do homem”.
Sem um ritual doloroso e arriscado de iniciação, o que podemos fazer é iniciar nossos filhos, sobrinhos, netos, alunos no difícil caminho da Verdade e do Desapego o ritual mais duro que existe.